terça-feira, 23 de julho de 2019

Paternidade tardia pode elevar risco de doenças para grávidas e bebês


O senso comum costuma dizer que o homem pode ser pai sem problemas em idades mais avançadas. O ator George Clooney, por exemplo, se tornou aos 56 anos. O apresentador Serginho Groisman, aos 65. Mick Jagger, líder dos Rolling Stones, teve seu último filho aos 72.
Mas a ciência tem demonstrado cada vez mais que o relógio biológico também atinge as células reprodutoras masculinas e que, assim como acontece com as mulheres, a paternidade tardia tem seus riscos.

Em junho, um estudo apresentado no encontro anual da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia, em Viena, na Áustria, apontou que a contagem de espermatozoides, bem como a sua qualidade, diminui com o passar do tempo, especialmente a partir dos 51 anos.
Conduzido pelo Instituto de Saúde da Mulher da University College London, na Inglaterra, a pesquisa, tratada como uma mensagem de saúde pública para homens não postergarem deliberadamente a paternidade, analisou os registros de 4.271 indivíduos do sexo masculino envolvidos em 4.833 ciclos de tratamento de fertilização in vitro (FIV) e injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI) entre 2009 e 2018.
Para a análise, eles foram subdivididos em grupos por faixas etárias: até 35 anos, 36 a 40, 41 a 44, 45 a 50 e mais de 51 anos - idades masculina e feminina inferior a 35 anos foram utilizadas como grupos de controle de referência para comparação.

A investigação mostrou que a taxa de gravidez diminuiu com o aumento da idade paterna, passando de 49,9% no grupo até 35 anos para 42,5% no 36-40; 35,2% no 41-45; 32,8% no 46-50, e 30,5% no mais de 51 anos.
Além disso, constatou que apenas 42% dos homens acima de 51 anos tinham contagem de espermatozoides dentro da faixa saudável - maior que 39 milhões no volume total ejaculado - definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em comparação com 61% daqueles em faixas etárias mais jovens.

Efeitos negativos na saúde

Outro estudo, este realizado pela Escola de Medicina da Universidade Stanford, dos Estados Unidos, e publicado há alguns meses no periódico British Medical Journal (BMJ), concluiu que bebês nascidos de pais mais velhos estão mais suscetíveis a parto prematuro, baixo peso ao nascer e baixo índice de Apgar (escala que avalia frequência cardíaca, esforço respiratório, tônus muscular, reflexos e cor dos recém-nascidos).
O trabalho também apontou que as mulheres que têm filhos com homens de mais idade apresentam riscos maiores de desenvolver diabetes gestacional e pré-eclâmpsia (distúrbio da pressão arterial que ocorre a partir da 20ª semana de gravidez).
Com base nos dados do Sistema Nacional de Estatísticas Vitais, programa de compartilhamento de informações fornecidas pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças e pelo Centro Nacional de Estatísticas de Saúde dos EUA, os cientistas analisaram mais de 40,5 milhões de nascidos vivos no território americano entre 2007 e 2016.
Eles dividiram a idade média dos pais em cinco grupos etários: menores de 25, 25-34, 35-44, 45-54 e maiores de 55 anos, examinando as medidas de saúde infantil em cada uma dessas categorias.
Como resultado, observaram que bebês com pais acima dos 45 anos tiveram uma chance 14% maior de nascerem prematuramente, 18% maior de terem convulsões e eram 20,2 gramas mais leves na comparação com filhos de pais com idade entre 25 e 34 anos.
Também verificaram que a taxa de diabetes gestacional foi 34% maior nas grávidas com parceiros mais velhos.
Para Márcio Coslovsky, especialista em reprodução assistida e sócio-diretor da Clínica Primordia, do Rio de Janeiro, estes estudos ajudam a desmistificar que a paternidade pode acontecer facilmente em qualquer idade.
"Há muito tempo se percebe que os casais estão investindo na carreira e, por isso, adiam a gravidez para um segundo momento. Apesar de a preocupação recair mais sobre as mulheres, os homens apresentam uma piora a cada cinco ou dez anos na condição e na quantidade dos espermatozoides", analisa o médico, membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA) e da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE).

Menor qualidade

Coslovsky explica que, diferentemente das mulheres, que nascem com um número de óvulos para a vida toda e cuja fertilidade entra em declínio a partir dos 35 anos e chega ao fim na menopausa, os homens produzem espermatozoides até morrer, só que, conforme o tempo passa, sem a mesma qualidade.
"Normalmente, isso já começa a acontecer a partir dos 40 anos. Neste período, a gravidez espontânea fica mais difícil e a perda (aborto) mais fácil. A taxa de sucesso das fertilizações também cai."
Temis Felix, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica (SBGM), comenta ainda que, nas mulheres, o envelhecimento aumenta a incidência de doenças cromossômicas nos bebês, como a síndrome de Down, enquanto, nos homens, é a de mutações genéticas.
Como exemplos ela cita acrondroplasia (uma das formas mais comuns de nanismo), neurofibromatose (causa múltiplos tumores no organismo) e síndrome de Apert (provoca desenvolvimento anormal do crânio).
"Possivelmente isso ocorre por conta de problemas no mecanismo de reparo do DNA, já que, com a idade, vamos perdendo essa função", indica. "É importante que homens e mulheres saibam dessas questões e procurem aconselhamento pré-concepcional, com ginecologista, urologista e geneticista, caso queiram engravidar em idades mais avançadas. Sabemos que a maioria das gestações não são planejadas, mas deveriam ser", acrescenta.
Coslovsky, especialista em reprodução assistida, complementa que indivíduos do sexo masculino precisam ter a mesma atenção que os do sexo feminino quando o assunto é ter filhos. E, para os que pensam em adiar a paternidade, ele dá um conselho: congelamento de espermatozóides, serviço que, em sua clínica, teve um aumento de 68% entre 2010 e 2018.
"É um procedimento simples, muito mais do que o de óvulos, e que pode ajudar e muito no futuro", finaliza. (BBC News Brasil)

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