segunda-feira, 8 de julho de 2019

Uma horinha

Vivemos tempos extraordinários, velozes, talvez, como nunca na história da civilização. Já não acordamos mais velhos, mas obsoletos, nessa vertiginosa corrida do ouro tecnológica, em que substituímos as funções pessoais por máquinas, aplicativos, que desenham um século radical e a maior mudança de hábitos em um curto tempo, da história.
Enquanto nos milhões de anos da civilização fomos marcados por apenas algumas grandes Revoluções – Industrial, Francesa, Russa, Inglesa- agora, temos revoluções diárias, em que uma novidade se sucede a outra, continuamente, empurrando fronteiras implacavelmente para adiante, tornando quase impossível nos mantermos dentro do jogo. Todo dia é um golpe contra nossa versão mais inclusiva, especialmente para nós que não somos nativos digitais e sim imigrantes digitais. Aliás, tenho a impressão que alguém que nasça e morra nesse século viverá mudanças que nós gastamos milhares de anos para vivermos. É como se alguém tivesse presenciado a invenção da roda e o trem bala, o vestido longo e a minissaia, em uma mesma vida.

No ritmo em que vamos, desatualizamos o presente quase ao mesmo tempo em que o inauguramos, e consumimos com volúpia um arsenal de informações que nos roubam tempo sem retribuir com qualidade, visto que não sabemos ser seletivos diante da vastidão de ofertas. As redes sociais romperam a barreira entre casa e trabalho, vida íntima e pública, anonimato e sub-fama , sono e vigília, afinal, já podemos até programar publicações para nossa ausência.
Essa ampliação, exibição, expiação, coletiva, e despudorada, trouxeram imposições e necessidades, antes, inexistes. Assim, passamos a viver a vida não como ela é, mas coreografada como gostaríamos que fosse vista. Uma imagem passou a valer muito mais que mil palavras, nesse mundinho soft, anódino, coach, digital influencer, de follow e unfollow.
A uma primeira impressão a profecia de Andy Wahroll de que no futuro seriamos todos famosos por 15 minutos, está se concretizando, mas há lesões mais sutis e violentas que essa. A necessidade de vida produzida, permanência online, e espetáculo continuado, está carbonizando o tempo, nossa escala de importância, e substituindo a interação com voz, toque, emoção, por interação escrita, feita de emojs, e figurinhas.
Estamos desconectando humanos de forma avassaladora, ainda que ampliando o universo de seguidos ou seguidores. Isso tem implicações comportamentais graves, e modifica nossa conformação cerebral, treinado para ouvir. Como diz aquela música: eu sou de todo mundo, eu sou de ninguém. Nesse universo de desafetização imperceptível, estamos perdendo a noção do que é ser importante, insubstituível, a alguém, e já não ousamos dedicar tempo- a mirra e o incenso mais preciosos de hoje- ao outro. Narcisos, estamos ensimesmados com nós mesmos e sequer podemos ser amarrados ao mastro como Ulisses, para escaparmos desse canto de feiticeiro.
Logo, nos faltará até o tempo para sermos famosos por qualquer minuto. Há, entretanto, instantes luminosos aqui e ali, que clareiam a escuridão da indiferença e da solidão que se anuncia. Fui levar minha filha ao aeroporto, pois, passamos o fim de semana na roça, no aniversário de minha mãe. Quando cheguei lá era por volta de 13: 30h. Foi quando ela me ligou:

- já tá por onde? Vem almoçar?
- Não mãe, fique tranquila, pode comer. Ainda estou no Aeroporto, deixando Luísa 
- Foi, então, que ela retrucou: não tem nada não. Vou esperar mais uma horinha
Minha mãe fez 89 anos e talvez suas horas já sejam escassas, para desperdícios, por isso, agradeci, emocionado, a lição: é preciso continuar fazendo questão. Amor, é sempre poder esperar alguém por mais uma horinha.

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