quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

O candeeiro de estrelas


César Oliveira
Está no Gênesis. Deus, disse: “ Que exista a luz”. E a luz existiu. E suas palavras permitiram a vida no paraíso, sem pagode e taxa condominial. Depois veio a Coelba e nunca mais tivemos serviço com a mesma eficiência. Desde então, a luz se tornou nossa metáfora predileta para justificar a esperança, acreditando que já estamos a enxergar a luz no fim do túnel, ainda que o túnel esteja cada vez maior e a luz cada vez mais difícil de ser vista.
Diógenes, com a luz de sua lanterna, vagava por Atenas, procurando um homem honesto. Hoje, o grau de dificuldade tornou-se tão acentuado que apesar de toda energia elétrica e cósmica consumida em Brasília, ainda não conseguimos completar sua busca. Goethe, alemão, autor de Fausto, antes de morrer, murmurou: “Luz. Mais luz.!! Não sabemos se já enxergava do lado de lá a volta à escuridão ou queria apenas deixar um grand finale, coisa que sabemos tão importante quanto a biografia. Como nunca se sabe quando vai ser nossa hora é bom estarmos prevenidos e pensando em algo, que uma frase pode ser tudo.

A primeira luz artificial, antropologicamente falando, foi o fogo, até que Edson inventou a lâmpada e as concessionárias de energia inventaram a selvageria da conta. Na evolução fomos iluminados de várias formas. Do tição ao óleo de tartaruga, passando aqui nas bandas sertanejas, pelos candeeiros e fifós.
Tenho terna lembrança dessa forma singela de iluminação, porque na fazenda onde morava não tinha luz elétrica. Usávamos candeeiros, feitos com lata de óleo e um ou outro mais sofisticado, que ficava na sala de visitas. À noite, lia o jornal para meu pai, com o candeeiro correndo sobre as letras, e, sei lá porque, vou escrevendo isso aqui e sendo tomado por uma súbita emoção e uma saudade que não sei bem do que é, que cronista, embora não pareça, também é humano e tem lá suas fraquezas. Tinha prazer quando podia trocar o pavio de algodão que havia apreendido a trançar, e que executava como um Da Vinci a pintar a Mona Lisa, embora eu nem goste muito dela.
Era uma luz acolhedora, a das lamparinas artesanais. Depois apareceu um, metido a besta, chamado Aladim, que passou a ocupar a sala, e, só na adolescência, chegou a luz elétrica e a televisão. Mas foi sob a luz do pavio, que mal disfarçava a escuridão, que descobri os segredos do corpo de uma moça escura, entre a desconfiança de minha mãe e a cumplicidade paterna.
A eletricidade produziu muitas mudanças. Não preciso mais bater leite na garrafa para fazer manteiga, nem raspar das panelas, as sobras do requeijão, nem rachar lenha para o fogão. Às vezes, durmo lá, com os filhos. A casa, atualmente forrada, infelizmente já não deixa passar sereno pelas telhas nas noites de chuva, - quem já morou em casa assim sabe o que estou dizendo e quem nunca experimentou não sabe a delícia que perdeu.
Uma noite, estávamos a beira do curral, onde ficávamos conversando. A menor cismou de perguntar porque tinha todas aquelas luzes no céu. A Via Láctea - corrigiu meu filho maior, chamando a irmã de burra. Na falta do que inventar disse a eles que o céu era muito grande, infinito, mais do que nossos olhos juntos, ao mesmo tempo, podiam ver. E todos que tinham a alma pura, os honestos, todos que viveram seus amores possíveis e impossíveis, todas as famílias, iriam lá, se reunir. Mas, como era muito vasto e escuro, Deus, que amava a todos, precisava iluminar os caminhos e por isso usava candeeiros. E que, eu os amava tanto, que um dia andaríamos por lá, juntos. Iluminados pelo candeeiro de estrelas

Obra do mestre dos mestres da arte feirense: juracy Dorea

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