A Covid-19 está assombrando os
brasileiros. Diariamente, a população é bombardeada por notícias que
citam novos estudos publicados em periódicos científicos. Mas será que
tais artigos estão sendo interpretados da maneira correta?
Para tirar as dúvidas que
estão em alta – trata-se de uma conspiração chinesa? O vírus é uma
criação artificial? O ibuprofeno é mesmo contraindicado? –, conversamos
com Luiz Gustavo de Almeida, pesquisador do Instituto de Ciências
Biomédicas da USP e coordenador do Pint of Science Brasil, um evento de divulgação científica que rola em bares e restaurantes de todo o País.
Como um vírus que se hospeda em outro animal evolui para infectar humanos?
O vírus sofre mutações naturalmente.
No caso do Sars-CoV-2, vemos nas ilustrações que ele é envolto por uma
espécie de coroa de espinhos – que são proteínas chamadas spikes.
São essas proteínas que se modificam para permite que ele infecte
outras células, diferentes das que já está acostumado a infectar. Sejam
essas células humanas ou de outros mamíferos.
Quando o vírus penetra a célula, sua
cápsula externa se desfaz e sobra apenas seu material genético no
interior da célula infectada. É nesse material genético que estão as
informações para produzir proteínas (como as spikes) que revestem o vírus.
Uma célula infectada pode produzir
centenas, milhares de novos vírus. É nesse ponto que ocorre a evolução. A
cópia do material genético nem sempre é perfeita. Quando você está
escrevendo um texto e comete um erro de digitação, uma letra pode
modificar sua frase inteira. É o que ocorre com os vírus – ocorrem erros
na informação genética que causam uma mudança nas proteínas.
Tudo isso demora para acontecer – não é
de uma hora para outra que o vírus decide modificar e infectar alguma
coisa. As mutações ocorrem por acaso e uma hora pode acontecer do vírus
ganhar a mutação necessária para conseguir passar para outro hospedeiro.
A seleção natural não ocorre apenas com vírus, mas com todas as
espécies. Todos os seres tem material genético e são suscetíveis a erros
de cópia no genoma.
Por que o vírus SARS-CoV-2 não pode ter sido criado em laboratório?
Os boatos surgem na internet porque as
pessoas sempre tentam procurar algum culpado. Fica essa história de
cientista malvado que criou o vírus em laboratório. Mas pense assim: se
você tem um carro modificado, com rodas diferentes, por exemplo, um
mecânico consegue identificar que o veículo passou por alguma mudança. O
mesmo ocorre com vírus. Se cientistas modificam sua estrutura, sobram
rastros dessa alteração que podem ser observados por outros cientistas.
Os vírus não são criados do zero. Em
laboratório, os cientistas pegariam um modelo de coronavírus já
existente (no caso, poderia ter sido o causador da epidemia de SARS, de
2002), e fariam modificações em cima dele. Mas estudos recentes mostram que não há marcas de modificação, descartando essa teoria.
Os vírus em laboratório são cultivados
em meio a uma sopa de células. Você pega células humanas específicas e
coloca o vírus na mesma cultura. Então, o vírus infecta as células e vai
se replicando. Fazemos isso em estudos. O que acontece é que usamos
apenas um tipo de célula, e para as modificações vistas no SARS-CoV-2,
precisaríamos usar mais células (como as do sistema imune, os glóbulos
brancos). Elas são multo complicadas de se cultivar, não temos
tecnologia para isso.
Quais são as hipóteses sobre a origem deste vírus?
A primeira é que esse vírus passou a
ser patogênico ainda quando estava em algum hospedeiro não humano –
talvez morcegos ou pangolins. Talvez ele não causasse a doença em
animais, não havia sinais. Porém, dentro deles, se replicou até adquirir
mutações em suas proteínas que o tornaram capaz de infectar pessoas.
Ele chegou aos humanos e, como se espalha muito bem, acabou causando
essa pandemia.
A segunda hipótese é que a mutação nas
proteínas tenha ocorrido já em humanos. O vírus se tornou capaz de
infectar pessoas dentro das própria pessoas, e só depois começou a
causar a Covid-19. Os hospedeiros, de início, transmitiam o vírus sem
sintomas (a maioria dos transmissores ainda são assintomáticos).
Essa é a hipótese que os autores defendem mais. Mas isso não aconteceu
do dia para a noite. O vírus provavelmente já estava circulando desde o
ano passado, talvez setembro ou até antes.
Podemos afirmar que a hidroxicloroquina, medicamento usado para
combater a malária, pode ser um combatente contra o novo coronavírus?
Quais são as implicações de divulgar isso para o público geral?
Essa droga é utilizada por pessoas com
doenças autoimunes, como lúpus. Há estudos antigos sobre ela
promissores, feitos em laboratório. Os cientistas pegavam o vírus,
cultivavam na sopa de células e colocavam a droga junto. No laboratório
era muito eficaz, o vírus não se espalhava naquela população de células.
No novo estudo, foi feito um teste bem
preliminar em humanos. Participaram 26 pessoas. Destas, uma morreu
mesmo utilizando o medicamento. Outras cinco abandonaram os testes, seja
por agravamento de seus problemas ou apresentação de efeitos
colaterais, como náusea. Então os resultados não são completamente
satisfatórios.
Os outros 20 realmente se recuperaram
bem, mas permanecem todas essas perguntas: Por que alguém morreu? Por
que um grupo abandonou os estudos? A ideia dos autores foi publicar de
forma rápida para que outros pesquisadores utilizassem a droga para
novos estudos com melhor qualidade, essa é a maneira dos cientistas de
se comunicarem. Mas estudo possui falhas, faltou acompanhar mais pessoas
e até comparar com pacientes recebendo placebos.
O maior problema é que a população,
inclusive no Brasil, correu para as farmácias e esgotou o medicamento.
Ele é usado rotineiramente por algumas pessoas com outras doenças. Elas
não podem ficar sem ele. Por isso, algumas farmácias suspenderam as
vendas e estão oferecendo a hidroxicloroquina apenas para hospitais e
pessoas que precisam.
A hidroxicloroquina é promissora. Mas
não sabemos os efeitos colaterais. Tomar uma superdose disso sem ter os
sintomas pode fazer você morrer não por conta do coronavírus, mas por
overdose do remédio. Esse é o estrago quando uma pesquisa promissora é
divulgada de forma errada.
Também saíram diversas notícias sobre os efeitos colaterais que o
ibuprofeno poderia apresentar em pacientes com o novo coronavírus…
Foi divulgado um um estudo bem
preliminar relatando que, ao tomar ibuprofeno, você se torna mais
suscetível a contrair o vírus. Esse remédio é utilizado para outros
tratamentos, como o de hipertensão, e os pacientes ficaram com medo de
tomar.
Esse palpite não foi comprovado. Na
verdade, era uma sugestão – uma opinião de alguns cientistas. Eles
observaram uma correlação entre os pacientes que tomavam o remédio e
eram infectados, mas não fizeram testes com grupos controlados. O
problema é que na mídia a informação sai do jeito mais simples, rápido e
errado, e é isso que a população consome.
Muitas notícias têm circulado na internet mostrando maneiras de
evitar a propagação do vírus – como tomar vitamina C para aumentar a
imunidade. Você poderia esclarecer qual é o método correto para evitar a
doença?
Ele é um vírus que se dispersa muito
bem tanto pelo ar quanto contaminando superfícies. Alguma outra pessoa
está com a mão contaminada pelo vírus, passa para a sua mão e por
instinto você acaba coçando o olho, o nariz ou encostando na boca. Então
você se infecta. Pelo ar, a pessoa espirra ou tosse perto de você e
partículas de saliva com o vírus se propagam. Como ele é muito pequeno,
acaba entrando nas vias aéreas. Essas são as formas de contágio.
Nesse momento, precisamos acompanhar as recomendações do Ministério da Saúde. As indicações são o distanciamento social
e lavar as mãos com água e sabão. O álcool em gel é mais prático quando
está na rua, mas lavar as mãos é o principal. A história da vitamina C
sempre volta como forma de fortalecer o sistema imunológico, mas nada
disso é comprovado. (Super Interessante)
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