segunda-feira, 23 de março de 2020

Vagas nos hospitais: o calcanhar de Aquiles no combate à Covid-19

O novo coronavírus, o velho influenza da gripe espanhola e uma anciã, a bactéria da peste bubônica, estão conversando num bar. O vírus daquela gripe que matou 50 milhões de pessoas entre 1918 e 1919 toma uísque e fuma charuto. A Yersinia pestis, que eliminou pelo menos um terço da população europeia no século 14, bebe um cálice de sangue. O jovem corona se contenta com uma cerveja. E toma a palavra:
“Pessoal, meu ponto não é matar pessoas só por matar. Mas conscientizar a sociedade sobre o acesso à saúde pública”.
“Ah, esses millennials…”, suspira a bactéria da peste.

Essa é uma piada que está rodando pelo Whats, em forma de cartum. Aqui:
 
Enquanto isso, no The Rat and Bat… (reprodução/Superinteressante)

E ela traz um fundo de verdade. Na época da gripe espanhola, o conceito de saúde ainda engatinhava. Na da peste bubônica, a humanidade ainda era refém do xamanismo. Agora é diferente.
Boa parte do planeta conta com sistemas de saúde funcionais. Prova disso é que, em 1950, a média de expectativa de vida no mundo era de 45 anos; em 2020, 72 anos – 75 no Brasil, 79 nos EUA, 83 na Coreia do Sul. A expectativa de vida de um país, vale lembrar, é um reflexo de dois aspectos do sistema de saúde local: a qualidade dos hospitais e o acesso que a população tem a eles.
Na Coreia do Sul, a qualidade é alta, e o acesso, universal. Os EUA abrigam os melhores hospitais do mundo, mas o acesso é censitário: quem não tem grana está fora. O Brasil, sabemos todos, está longe de ser um centro de excelência, mas desde a criação do SUS, em 1990, toda a população tem direito a saúde gratuita, incluindo remédios caros lá fora, como os antivirais para portadores do HIV.

A VANTAGEM DO SUS

A sigla do Sistema Único de Saúde causa alergias, é verdade – o que vem à mente, afinal, são as filas, os corredores lotados de macas, a falta de esparadrapo, os seis meses de espera por uma consulta com um especialista.
Por outro lado, hoje é impossível imaginar como era antes. Até o final da década de 1980, só os trabalhadores com carteira assinada tinham direito a assistência médica gratuita, pelo finado INPS. Quem fosse autônomo e não tivesse plano de saúde era considerado “indigente”.
A mera existência do SUS, portanto, já é uma vitória. Ainda mais se você levar em conta o quão raro isso é em países populosos. O Brasil é o único com mais de 200 milhões de habitantes a ter um sistema de saúde universal e gratuito. Nos EUA, que têm um PIB per capita sete vezes maior que o nosso, há 28 milhões de indigentes, que não têm assistência nenhuma, nem pública, nem privada.
Lá, existem dois sistemas públicos: o Medicare, que atende idosos sem cobrar, e o Medicaid, para quem vive perto ou abaixo da “linha de pobreza”. Para os padrões brasileiros, a linha de pobreza oficial dos EUA é um luxo. Ela varia de Estado para Estado, mas, na média, dá o equivalente a R$ 10 mil por mês de renda para um lar com quatro pessoas. Vale lembrar que a renda familiar média nos EUA é de R$ 24 mil mensais (cinco vezes a daqui), e que o dólar alto de 2020 acaba inflando os valores americanos na nossa moeda.
Seja como for, o Medicaid cobre as despesas médicas e hospitalares de quem está até 33% acima dessa linha de pobreza, o que dá 72 milhões de indivíduos.
Não é pouco, lógico. Dá quase um em cada quatro americanos. Mesmo assim, 8,5% da população de lá se situa num grupo peculiar: não se enquadra no Medicaid nem tem dinheiro para bancar um plano de saúde. (Super Interessante)

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