domingo, 22 de novembro de 2020

Histórias da Princesa

     


A partir desse domingo, em Histórias da Princesa, começamos a publicar uma série de três matérias sobre a Santa Casa de misericórdia de Feira de Santana. A primeira, que publicamos hoje, conta a história da fundação da Santa Casa e os primórdios do Hospital Dom Pedro de Alcântara que por ela é mantido. A próxima será sobre a trajetória do próprio hospital, que esteve prestes a fechar as portas, bem como a recuperação e manutenção do Cemitério Piedade. A terceira e última da Série fala da fundação da Unidade de Alta Complexidade em Oncologia,que trata pessoas com câncer pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com moderna tecnologia, e do Instituto de Cardiologia que tem um moderno Centro Cirúrgico onde realiza cirurgias cardíacas também pelo SUS, e está se qualificando para fazer transplantes de coração. Lembrando também que já realiza transplante de rins há algum tempo. 

Fundação da Santa Casa de Misericórdia e do Hospital D. Pedro II

 Entre 5 e 6 de novembro de 1859, a Corte Imperial Brasileira, liderada pelo Imperador Dom. Pedro II (Dom Pedro de Alcântara) visitou Feira de Santana, e fez uma doação de Dois Contos de Réis, para a irmandade da Santa Casa de Misericórdia, que fora fundada em 23 de março daquele ano. Foi o ponto de partida para a construção do Hospital D. Pedro de Alcântara, que foi inaugurado em 25 de março de 1865. Também foi fundado o Cemitério Piedade. De lá para cá muita coisa aconteceu, inclusive o Hospital esteve prestes a fechar as portas, sendo salvo por homens que demonstraram verdadeiro espírito público e humanitário.

Hoje, o HDPA é referência regional em Oncologia, Cardiologia, transplantes e mais uma infinidade de procedimentos médico cirúrgicos, atendendo basicamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), Plano dos Servidores Estaduais (Planserv) e diversos outros, sempre com o foco no atendimento aos mais carentes. Vamos contar esta história em capítulos, a partir de agora, começando pela fundação Da Santa Casa, da inauguração do HDPA e do Cemitério Piedade.

As fontes creditam ao Juiz de Direito, Dr. Luiz Antônio Pereira Franco, transferido da Vila de Nossa Senhora de Nazaré para a nova Comarca de Feira de Santana, em 1855, a liderança do movimento em prol da fundação de uma Santa Casa na Vila de Feira de Sant’Anna. O magistrado, em 1851, quando residente em Nazaré, foi Provedor da Santa Casa de Misericórdia da vila, portanto, conhecia os propósitos de uma instituição assistencial que é fundamentada nos princípios da caridade cristã e da filantropia, administrada por uma irmandade de leigos. Um evento marcante para a história política e social da Vila de Feira de Sant’Anna viria a acontecer no final do ano de 1859. Na viagem em direção às províncias do Norte do Brasil, o Imperador D. Pedro II, acompanhado da Imperatriz Tereza Cristina e uma grande comitiva visitaram a Província da Bahia, onde, num primeiro momento, permaneceram entre 6 de outubro a 19 de novembro. Recebida em Feira, com pompa e festas, a Corte Imperial que permaneceu na vila nos dias 5 e 6 de novembro de 1859, após instalação do Paço Imperial na residência do Coronel Joaquim Pedreira de Cerqueira, situada na Rua Direita, atual Rua Conselheiro Franco, se dirigiu ao “Te Deum” na Igreja Matriz de Senhora Santana.

No turno da tarde, o Imperador D. Pedro II, registrou um compromisso com uma comissão de moradores da vila. A comissão “suplicou a S. M. a graça de tomar sob sua Imperial Proteção, um asilo de Enfermos, que se pretendia criar na vila, dignando-se S. M. permitir que fosse dado a esse o nome de D. Pedro II. O pleito, foi bem recebido pelo soberano que, além de permitir que o estabelecimento fosse designado com o seu nome e para demonstrar o seu efetivo apoio à iniciativa, fez doação de um óbolo, no valor de 2:OOO$OOO (dois contos de réis). Demonstrando interesse, o Imperador visitou um terreno e determinou ao Dr. Bonifácio de Abreu, médico que acompanhava e assistia a Corte na viagem, que ele, além de vistoriar a área, designasse o exato local onde se deveria construir o nosocômio da Villa de Feira de Sant’Anna, a ser denominado de “Imperial Asilo de Enfermos D. Pedro II”.

Exercer a Caridade

        Um fato relevante é que, anteriormente à visita do Imperador, desde 25 de março daquele ano, esse mesmo grupo de cidadãos havia fundado a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia da Villa de Feira de Sant’Anna. Conforme destacado no Compromisso da fraternidade, o objetivo da instituição era exercer a caridade: Fazendo curar em seu hospital os enfermos pobres e desvalidos, e prestando-lhes os socorros espirituais de que precisarem” como, também, “dando sepultura no Cemitério, que tratará de estabelecer, quando não possa obter o que já existe nesta Villa, a cargo da Câmara Municipal, os cadáveres, não só dos enfermos de que trata o antecedente, mas também de quaisquer indivíduos absolutamente miseráveis e desamparados.

Posteriormente à visita de D. Pedro II, foi aprovado o Compromisso da Santa Casa, pelo Arcebispo D. Romualdo Seixas Dórea, em 19 de abril de 1860, pelo Presidente da Província, Dr. Antônio da Costa Pinto, em 13 de maio de 1860, e foi dada a largada em prol da construção do hospital. Inicialmente, o provedor Dr. Luiz Antônio P. Franco solicitou ao Governo Imperial, em conformidade com a Lei nº. 1099 de 1ºde setembro de 1860, a concessão de quatro loterias para arrecadar fundos objetivando a construção do edifício, cuja planta foi elaborada pelo engenheiro Trajano da Silva Rego.

De acordo com a proposta, os custos estimados com a construção eram da ordem de 26:905$780 (vinte e seis contos, novecentos e cinco mil e setecentos e oitenta réis). O pedido ao Governo Provincial, entretanto, não obteve o resultado esperado, uma vez que na Lei. 844, de 3 de agosto de 1860, que aprovou o orçamento da província, destinou apenas a quantia de 2:000$000 (dois contos de réis) para a construção do hospital da Villa de Feira de Sant’Anna. Em vista do fato, preocupados com a saúde da comunidade, os dirigentes da entidade insistiram em encontrar alternativa. Finalmente, concluíram que o mais viável era fazer adaptações em uma casa em ruínas, situada na área da antiga Fazenda Cerca de Pedras, já pertencente à Irmandade, por doação do Governo Imperial através da lei acima citada.

A casa, em mau estado de conservação era uma construção de adobe, coberta de telha, subdividida, internamente, em duas salas e cinco quartos e com uma fachada de frente onde foram colocadas quatro janelas e uma porta. Para instalar o hospital foram realizadas obras de ampliação e reforma que, ao final, custaram 956$269 (novecentos e cinquenta e seis mil, duzentos e sessenta e nove réis). O imóvel passou a ter uma fachada com 88 palmos, aproximadamente 20  metros, na qual foram instaladas seis espaçosas janelas e duas portas simetricamente colocadas. Internamente, a casa passou a dispor de uma sala para as reuniões da Mesa Administrativa, um Oratório e duas enfermarias, uma masculina e outra feminina, com um total de 6 leitos. Externamente, a primeira sede do Hospital D. Pedro também recebeu melhorias para propiciar bem-estar e “um lugar de recreio aos pacientes em estado de convalescência”. Para tal, por um custo de 77$100 (setenta e sete mil e cem réis) foi anexado ao edifício um amplo quintal com cerca de 850 m². Esse espaço foi incorporado ao hospital por um cercado de madeira, que, por sua vez, foram retiradas, sem custos, das matas da Fazenda São João mediante autorização e apoio do Prior do Convento do Carmo, de Cachoeira.


O hospital foi inaugurado em 25 de março de 1865 e, mediante a contratação do Dr. João Vicente Sapucaia, formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1853, logo começou o tratamento de pacientes internados nas duas enfermarias. O hospital, já com a denominação de D. Pedro de Alcântara, mudança de nome proposta pelo Procurador Geral, Juvêncio Erudilho da Silva, em 1890, estava funcionando em sua segunda sede, na mesma Rua da Misericórdia e quase em frente à primeira sede. O imóvel da segunda sede foi adquirido, em 1884, por compra em mãos do Coronel João Pedreira de Cerqueira. foi colocada sob a proteção de Nossa Senhora da Piedade e sob as bênçãos de Nossa Senhora Santana. De 1º de abril a 30 de novembro de 1865, um total de 20 pacientes estiveram internados no nosocômio. Sendo 9 do sexo masculino e 11 do sexo feminino. Desse total, apenas um paciente do sexo masculino veio a falecer. Foram curados 8 do sexo feminino e 5 do masculino.

Cemitério Piedade

Seis anos após a fundação, em 25 de março de 1859, dia de homenagens à Igreja Católica e ao Império, a Santa Casa da Vila de Feira de Sant’Anna passou a administrar dois equipamentos destinados ao amparo social. Respectivamente, o Cemitério Piedade e o Hospital D. Pedro II, ambos situados na área da Fazenda Cerca de Pedras, que fora doada pelo Governo da Província da Bahia por efeito da Lei no. 844, de 3 de agosto de 1860. Além do mais, especificamente, quanto ao imóvel do nosocômio, o valor investido para reforma e ampliação da casa que, transformada, abrigou a primeira sede do Hospital D. Pedro, representou pouco menos da metade dos 2:000$000 (dois contos de réis), que foi o primeiro óbolo recebido pela Misericórdia Feirense, doado pelo Imperador D. Pedro II, durante a visita à Vila da Feira de Sant’Anna.

Nota dos historiadores

“A historiografia brasileira referente às Santas Casas de Misericórdia e a assistência à saúde das populações, majoritariamente, enfoca os grandes centros urbanos e apresenta como marco regulador do sistema de proteção social, a Legislação Federal editada na República Velha. O presente estudo, partindo do pressuposto de que as instituições refletem a sociedade na qual se encontram inseridas, com um outro olhar sobre o processo histórico, revela informações sobre a História Social das populações residentes no interior da Província da Bahia e permite uma melhor compreensão sobre o aparato assistencial implantado, em comunidades interioranas, ao longo do período Imperial Brasileiro.

Ao final desse trabalho, conclui-se que a fundação da Santa Casa da Vila de Feira de Sant’Anna, deu-se em decorrência de um movimento liderado por atores vinculados ao Governo Imperial, sob os auspícios do Imperador D. Pedro II, responsável direto pela primeira doação financeira para a irmandade feirense. Além disso, diante do apoio político e econômico-financeiro do governo e do envolvimento direto de agentes do Estado Monárquico, na fundação da Misericórdias da Vila de Feira de Sant’Anna, de forma similar ao que aconteceu nas outras seis Santas Casas do Recôncavo Baiano. Portanto, é razoável admitir que parte do atual sistema de proteção social do Estado Brasileiro, tem os seus primórdios assentados nos governos do período Imperial”.

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