A menos de duas semanas da eleição,
o STF (Supremo Tribunal Federal) vai decidir se 3,368 milhões de
eleitores poderão ou não votar. Esse é o total de títulos cancelados
porque os eleitores não compareceram no início do ano para realizar o
cadastramento biométrico, que se tornou obrigatório para cerca de metade
do eleitorado brasileiro.
No novo sistema, o eleitor será
identificado pela digital ao comparecer no dia 7 de outubro à sua zona
eleitoral, e não apenas pelo documento com foto.
O sistema do TSE
(Tribunal Superior Eleitoral) chegou a apontar que esse cancelamento
atingia 5,5 milhões de eleitores, mas o tribunal reviu o número na noite
desta segunda. O pedido para que os eleitores sem cadastro biométrico
possam votar foi realizado pelo PSB, e o caso está sob relatoria do
ministro Luís Roberto Barroso - ele já liberou a ação para que o
presidente do STF, Dias Toffoli, marque o julgamento.
O PSB argumenta que o direito ao voto é um princípio fundamental
da nossa Constituição e que a falta de cadastro biométrico não é razão
suficiente para impedir um contingente tão grande de ir às urnas, ainda
mais considerando que cerca de metade do total de eleitores ainda votará
nesta eleição pelo método anterior (de identificação por documento com
foto).
A sigla sustenta ainda que a medida tende a afetar mais os
eleitores de menor renda, que teriam mais dificuldade para se informar
sobre a convocação para o cadastramento e para comparecer ao cartório
eleitoral, muitas vezes distante das periferias das cidades.
"É
uma questão de princípio. Você não pode achar que tudo bem milhões de
pessoas não poderem votar porque não cumpriram uma burocracia que a
maior parte das pessoas não ficou sabendo", defende o advogado e
professor de direito constitucional da Uerj Daniel Sarmento, que
representa o PSB na ação.
Atendendo convocação de Barroso, o Ministério Público Eleitoral (MPE)
e a Advocacia Geral da União (AGU) se manifestaram contra o pedido do
PSB, argumentando que o cadastro biométrico é mais uma medida para
conter fraudes e que o alistamento do eleitor para regularizar sua
situação quando convocado pela Justiça Eleitoral é obrigatório. Já o TSE
sustenta que não há tempo hábil para reverter o cancelamento.
"À luz das informações prestadas pelas áreas técnicas deste tribunal
superior, eventual suspensão das normas autorizadoras do cancelamento
dos títulos eleitorais implicará o comprometimento do calendário
eleitoral, a par dos elevados custos exigidos para o refazimento das
diversas etapas do pleito", disse a presidente do TSE, Rosa Weber, em
manifestação ao Supremo.
O cancelamento pode desequilibrar a disputa presidencial?
O
número elevado de títulos cancelados levanta questionamentos sobre se
isso poderá prejudicar mais um ou outro candidato, afetando o resultado
das eleições. Para se ter uma ideia da importância que podem ter 3,3
milhões de votos (2,3% dos 146,8 milhões de eleitores brasileiros), vale
lembrar que no pleito de 2014, quando Dilma Rousseff (PT) foi reeleita
presidente, derrotando Aécio Neves (PSDB) no segundo turno, a diferença
entre os dois candidatos foi de apenas 3,5 milhões votos.
Especialistas
em questões eleitorais ouvidos pela BBC News Brasil divergem sobre o
real impacto que esse cancelamento pode ter na disputa deste ano, caso
ele não seja revertido pelo STF.
Há quem venha apontando um risco
maior de o candidato presidencial do PT, Fernando Haddad, ser
prejudicado, já que o Nordeste, onde ele lidera as pesquisas de intenção
de voto com 26% segundo o último Datafolha, é a região em que houve
mais cancelamentos. O PT, inclusive, solicitou ao STF nesta segunda para
participar da ação movida pelo PSB como amicus curiae (amigo da corte, instrumento que permite a interessados na ação se manifestar).
Os dados do TSE mostram que 45% dos títulos cancelados (1,5 milhão)
são de eleitores em sete Estados nordestinos, sendo 586 mil apenas na
Bahia, onde Haddad aparece com 33% de preferência na pesquisa Datafolha.
Jair Bolsonaro (PSL), que em todo o Brasil lidera as pesquisas, tem 14%
de intenção de voto entre os baianos.
No entanto, outras
localidades do país, em que Bolsonaro tem apoio expressivo, também
apresentam contingente significativo de títulos cancelados. São Paulo,
por exemplo, é o segundo Estado com mais títulos cancelados (385 mil).
Lá, Bolsonaro aparece com 30% das intenções de voto, contra 13% de
Haddad.
Quando se analisam as regiões, o Datafolha aponta
Bolsonaro liderando no Sul (37%), Sudeste (30%), Centro-Oeste (36%) e
Norte (32%). As quatro, somadas, têm 1,8 milhão de títulos anulados.
Para
o cientista político Antonio Lavareda, professor da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), é possível que os eleitores mais pobres e
de menor escolaridade sejam a maioria dos que não realizaram o
recadastramento, por ter mais dificuldade de acesso à informação. Não é
possível checar a hipótese, já que o TSE informou não possuir dados de
renda dos eleitores.
"É possível imaginar que os candidatos que
seriam mais prejudicados por essa exclusão são os dos partidos que têm
mais voto na base da sociedade. No caso da eleição presidencial, nós
estamos falando do PT: Haddad perde mais votos, e Bolsonaro perde
menos", acredita.
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