sábado, 29 de setembro de 2012

O Facebook e o “presente-mais-que-perfeito”

O publicitário carioca Flávio Cordeiro escreve (publicado em Mulher 7 X 7) sobre o quanto nossas expectativas podem nos impedir de ir mais longe e viver melhor.

Semana passada me enchi de coragem e iniciei um curso de atualizacão. De repente, eu, que já posso ser considerado um veterano na minha profissão, me vi ao lado de uma turma superjovem e entusiasmada – uma injeção de ânimo. Mas o que me chamou mesmo a atenção foi um trecho do comunicado de boas-vindas ao curso. Dizia mais ou menos assim: “Aqui costumamos dizer que a expectativa é a mãe da merda, portanto, deixem ela em casa ;) e venham de coração aberto para conversarmos, discutirmos e debatermos”.
Essa pequena frase, “a expectativa é a mãe da merda”, me deu um clique: ela resume boa parte dos problemas autocriados em nossas relações. Ao inflacionarmos as expectativas em relação ao outro e a nós mesmos, compramos um ticket  só de ida rumo a terra da irrealidade cotidiana: a terra dos “príncipes encantados”, das “mulheres-para-sempre-ninfas”, dos casamentos irretocáveis, das famílias ideais, dos empregos estáveis e daquele novo tempo verbal que só existe na timeline do Facebook: o “presente-mais-que-perfeito”, onde tudo é sucesso e todos são incondicionalmente felizes.
Então quer dizer que bacana mesmo é aceitar qualquer coisa e lamber os beiços? Claro que não! Um grande amigo costuma citar Disraeli (Benjamin Disraeli, escritor e político inglês) sempre que alguém começa a ceder ao impulso da acomodação, “A vida é muito curta para ser pequena!” afirma. Eu concordo. Mas ela é também longa o bastante para observarmos o que não está funcionando, sobretudo aquilo que nos afasta do humano. E a perfeição é definitivamente sobre-humana: a antessala da distância, do afastamento e da frustração.
Há muito o que aprender com o que nos irrita. Talvez desejemos encontrar no outro a compensação para nossos conhecidos defeitos de fábrica. Na peça Entre Quatro Paredes, Jean Paul Sartre coloca na boca do personagem Garcin a famosa frase “O inferno são os outros”. Talvez seja mais fácil acreditar que é possível exportar nossos infernos pessoais do que olhar para dentro em busca de pistas ou para o lado com mais generosidade.
Num mundo onde os mapas antigos já não indicam o caminho, onde a transição se tornou permanente e onde os modelos ideais faliram, vamos demorar algum tempo até encontrar o que pôr no lugar. Enquanto isso, é tentativa e erro. Nesse processo, toda a atenção é pouca. Se a expectativa exagerada é mesmo a “mãe da merda”, que tal começarmos não nos deixando enganar por esse novo tempo verbal, o tal “presente-mais-que-perfeito”, e tentar construir, de coração aberto, uma gramática do possível?

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