domingo, 25 de abril de 2021

O chef toma conta da cozinha

 

Florentina da Silva nos seus bem vividos 77 anos de sal, tomate, feijão, galinha, arroz, carne de boi e o indispensável feijão nas cozinhas que titulara, sempre merecendo elogios pelos sabores que produzia como uma fada, mas sem varinha mágica, era uma veterana respeitada. Alegre, bondosa e risonha, apesar dos poucos dentes que lhe restavam, estava sempre bem humorada citando casos pitorescos da sua juventude, que não fora tão pitoresca assim, já que começara a trabalhar muito cedo, ainda menina, na casa de dona Julieta, com sua mãe Albertina.

Ajudava arrumar uma coisa ali, outra acolá, varria a casa e logo estava no caminho da mãe aprendendo a cozinhar. E como na época tudo era “arrumar” aos 25 anos ela arrumou Damião, que parecia talhado para dar certo, mas não deu. Na verdade, ele gostava mesmo era do feijão caprichado dela. Mesmo assim o arranjo ainda durou quase quatro anos, tempo mais do que suficiente para ela entender, perfeitamente, o velho ditado “antes só do que mal acompanhado”. Arrumou a maleta, com as poucas coisas que possuía e voltou a dormir o “sono dos justos”, agora na casa de dona Etelvina, que há muito tempo sonhava “comprar seu passe” a  amiga Julieta.

Como não tinha filhos, Florentina tratava os meninos da casa como se fossem seus e isso a tornava mais valiosa. O tempo foi passando e “mão de fada” firme na cozinha que pouco a pouco foi ficando diferente. Eram belos armários coloridos, fogão elétrico, uma grande geladeira, um freezer, liquidificador e outros equipamentos que não eram do seu tempo, dizia, mas ia se ajeitando. Dona Etelvina, que dela gostava muito, assim como seu Libório, vez em quando falavam que já passara a hora dela se aposentar, até porque os três filhos do casal já eram adultos, com diploma de doutor e pouco vinham à fazenda.

Florentina resistia e já lhe escancaravam os 78 anos quando Claudio, que era médico, resolveu passar uns dias com os pais. Chegou numa sexta-feira, em um automóvel bonito, com um amigo louro e alto como ele. Saudou-a e parecia tudo normal. No dia seguinte, logo cedo, Florentina estava no seu território, pensando em preparar os deliciosos quitutes que Claudio sempre gostara, ai veio a novidade. O doutor, de avental fino e decorado com rosas, falando com a voz esquisita, proclamou: “Deixe Florentina, agora é a minha vez. Agora eu sou chef e vou fazer coisas deliciosas para  meu amor, coisas que você não conhece, mulher!”. Sem entender nada e “espantada” do seu lugar predileto Florentina balançou a cabeça e se dirigiu para a sala onde estava dona Etelvina. Percebera tudo, a hora da sua aposentadoria chegara!

 

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