quinta-feira, 22 de abril de 2021

Viagem a Souto Soares, uma odisseia

        

Em fins de 1981 nós trabalhávamos em Itaberaba, no jornal O Paraguaçu, e Maura estava com oito meses de gravidez da nossa filha Lia. O dono do jornal nos enviou a Souto Soares para cobrir um evento. O jornal tinha um Fiat 147 caindo aos pedaços, e Gol novo em folha. Nos coube viajar mais de 200 Km, eu, Maura e um Fotógrafo, num carro que mal rodava dentro da cidade ( o dono do jornal viajou no Gol com a família para uma praia). Ainda teríamos que parar em Lajedinho para fazer um cobrança e com esse dinheiro prosseguir a viagem. Sairíamos as 5 horas. Disse sairíamos, porque na saída um pneu furou e não encontramos borracharia aberta para fazer a força no pneu.

         Conseguimos deixar Itaberaba mais de 7 da manhã. O carro se arrastava pela estrada e na parte dianteira começou um barulho que não me agradou. Mas conseguimos chegar a Rui Barbosa. Encontramos uma oficina aberta e constatamos que as ponteiras da direção estavam para se soltar. Por milagre, o dono da oficina tinha duas ponteiras recondicionadas. O Conserto levou boa parte do dinheiro que tínhamos para viajar. Chegando em Lajedinho, nos dirigimos ao Posto de combustíveis JK, onde faríamos a cobrança, abasteceríamos o carro e prosseguiríamos para Souto Soares. O prefeito era o dono do posto, mas não estava lá, estava na cidade, que ficava há uns 10 Km por estrada de terra. E lá fomos nós. Quando passávamos por uma baixada, já eram cerca de quatro da tarde, e o carro ferveu. Parei e fui ver o que aconteceu. O radiador estava seco e havia muita água no chão.

         Vi uma bela casa de fazenda num alto e resolvi ir até lá. O dono criava gado indubrasil (Parecem Nelores, só que mais altos e orelhas compridas.) Ao andar pelo pasto algumas vacas que estavam paridas  de novo começaram a me perseguir eu pegava picula com elas, passando por baixo das cercas de um pasto para o outro. Quando cheguei à casa da fazenda, um rapaz me atendeu e me disse que o dono não estava. E ele era o tratorista da fazenda. Eu expus o problema e pedi que ele fosse comigo até o carro para ver se podia me dar uma ajuda. Ele foi e constatou que a mangueira do radiador avia se partido. Perguntei se ele não teria alguma, mesmo que usada, para me ceder, e veio a sentença: Não. Gentilmente ele me explicou que se o dono da fazenda estivesse lá, me emprestaria até um carro (havia vários na vastíssima garagem, junto com os tratores), mas que sem a presença do dono ele não poderia me dar um parafuso sequer. Foi quando Maura desceu do carro e ele viu o tamanho da barriga, que ele amoleceu e disse. Eu tenho uma mangueira velha ali que eu vou ver se consigo adaptar.

Dito e feito. Ele cortou um pedaço de uma mangueira, encaixou no lugar, prendeu com abraçadeiras e ainda me arranjou água para o radiador. E tudo que pude fazer foi dizer um “Deus lhe Pague”, porque o nosso dinheiro havia acabado. Nesse meio tempo, o prefeito que voltara de Lajedinho, parou e nós lhe explicamos o motivo da nossa presença ali. Ele disse que estava indo para o posto e que quando o carro ficasse pronto nós o encontraríamos lá. E assim fizemos. Já estava escurecendo. Chegamos ao posto e ele disse que não havia combinado pagar naquele dia, mas disse que se quiséssemos poderíamos abastecer que ele descontaria depois quando efetuasse o pagamento. Joguei as mão para o céu, agradecendo a Deus por poder voltar pra casa. Ai fomos nós, voltando felizes da vida, até que o céu desabou sobre nossas cabeças. Tremendo temporal, com direito a raios e trovões. Mas, até que não estava ruim. Falei cedo demais. O limpador do para-brisa parou de funcionar. Enraivado, peguei alguns cigarros do fotógrafo, desmanchei e esfreguei no vidro para a água escorrer melhor. Peguei uns cordões e amarrei um em cada paleta do limpador, e segui viagem, enquanto Maura puxava as paletas pro lado dela e eu, com a mão esquerda puxava de volta pro meu lado. Por sorte, já estava perto de Itaberaba e a chuva estava passando. Quando chegamos, estávamos, com fome, molhados e sem dinheiro. Fomos direto a uma churrascaria na qual, segundo o fotógrafo, o jornal tinha conta. Jantamos, deixei o fotógrafo na praça e fomos para casa que ficava na esquina de uma rua aladeirada. Quando dobramos a esquina, um pneu furou e o estepe também já estava furado. Enraivado como eu estava, disse pra mim mesmo: Ele agora vai até lá embaixo assim. Na porta de casa escorei um pneu dianteiro no meio fio, porque não tinha trava de mão, descemos, tranquei o carro e entramos em casa, são e salvos, para uma merecida noite de sono.

Quando acordamos pela manhã, tomamos café e nos preparamos para passar o dia de domingo mais chato das nossas vidas. Abri a janela e fiquei olhando pro carro velho, inútil. Foi aí que um cunhado do dono do jornal, com quem eu não ia com a cara, porque era muito “aberteiro”, aproveitador mesmo, tinha visto o carro na porta e pensou que já tínhamos voltado da viajem com a missão cumprida, e foi logo me dando ordens: “Me dê a chave desse carro aí que eu vou precisar dele”.

Me limitei a pegar as chaves, jogar pra ele e fechar a janela com um risinho perverso no canto da boca.

Nenhum comentário: