segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Será que toda traição merece cartão vermelho?

Achava que era traída. Certeza? A que dava sua intuição. Sentia. Então era isso.

Entre ela e o parceiro, a cada refeição, mais um lugar era ocupado na mesa: o do fantasma  da traição. Essa era a sombra que nublava aquela parceria. E transformava em noite o que poderia ser dia quente de sol.

Ela não conseguia olhar para ele. Nem mandá-lo embora. Vivia no limbo. Nem com ele, nem sem ele. Nem céu, nem inferno. Ali juntos e separados.
Reconhecia que passava por uma fase difícil, meio chata. Fragilizada. Triste. O que poderia ter contribuído. Mas, então, não seria esse o momento de ela receber mais atenção? Se fosse o contrário,  ela faria por ele. Mas o contrário não estava acontecendo. Imaginava a outra segura, feliz, sorridente, perfumada. Isso lhe moía por dentro. Piorava sua aflição.

Ele jurava que não tinha nada nem ninguém. Mas homens podem ser assim. Juram inocência até a morte. Era o caso de confiar?

Ela viu uma troca de olhares. O olhar brilhante do parceiro indo em outra direção lhe apagou a alma. Esmaecida. Ofuscada. Andava assim agora. Homens têm olhares variados. De apetites diversos. Ideal que fossem todos só para nós. Melhor seria não saber de outras. Mas não foi o caso dela.

Noites em claro. A cabeça não descansava. Mandava embora? Desfazia tudo? Ia perder porque tinha medo de perder? Ou será que já estava mesmo tudo perdido? Sem saber que caminho escolher, flutuava na tristeza.

Escolhas são movimentos delicados. Quase um jogo de xadrez. É preciso pesar tudo, avaliar os riscos. O que se perde e o que se ganha? E definir se é melhor montar na torre ou montar no cavalo e ir embora. Preservar a rainha, mandar o rei para o campo inimigo? Um movimento em falso… e xeque-mate.

Toda escolha elege um caminho – e exclui outros. É isso que a faz tão delicada. Quando  escolhemos um parceiro, deixamos as outras opções de fora. Algumas pessoas não dispõem da capacidade interna de elaborar o luto pelas opções que ficaram de fora.  Escolhem com pena. Não sossegam na escolha feita. Falta a capacidade de desfrutar em paz do que possuem. Vivem na falta, no vazio. Querem sempre o que não têm. Estão sempre insatisfeitos.

Como criança em loja de brinquedos, perguntam: por que só posso escolher 1? Deixa só 2? Só dessa vez? 

Se não estão satisfeitos, por que não se separam e partem para uma nova relação?

É simples: porque gostam também do que têm. Mas, na aflição de experimentar o novo, saem atropelando tudo e todos. Querem e pronto. Não conseguem manter uma escolha por muito tempo.  Ou mantêm, mas não cuidam nem investem.

Visitei uma estufa de orquídeas uma vez. Era um projeto idealizado. Foram plantadas, cuidadas por  um tempo. Depois trocadas por outro sonho, um novo projeto. Abandonadas,  jaziam secas, sem vida. Tristes por não ter mais quem lhes dedicasse o trato merecido.

É preciso cuidado para não perder o viço no rastro da traição. É preciso coragem para, mesmo estraçalhada, cuidar de si mesma quando o outro, por algum motivo, não consegue mais cuidar. Preservar amor, amizade, desejo, cumplicidade e parceria exige amadurecimento. É malabarismo que nem todos conseguem fazer.

Relação é montanha-russa. No início, subidas tranquilas. A vida é puro amor. Mas, há tempos de loopings e descidas bruscas. Muito trabalho, correria, dívidas, filhos, contas, aborrecimentos. Falta paciência, energia, tempo. A gente relaxa na atenção dada a si mesma e ao outro – na certeza de que ele estará ali sempre. Terão mais tempo quando essa correria melhorar! Mas uma relação não espera. Relação é agora. 

O que fazer para sobreviver à traição?
Primeira opção: jogar fora a bola murcha. Convoca outro time. Recomeça o campeonato com mais confiança. Mas, se você continua como treinador, fique alerta. Pode ser que você esteja moscando em alguns pontos importantes e tenha ajudado a contribuir na desclassificação do time .

Segunda opção: Recomeçar com o mesmo time. Mantém o time da casa , intensifica a concentração e o treino. Sai da retranca. Melhora o ataque. Mas um ataque efetivo - não um ataque de nervos. Mulheres falam muito, gritam, choram. Homens têm verdadeiro horror a tudo isso. Se o objetivo é que eles percam a cabeça, elas conseguem. Mas, não no sentido desejado. Se o que elas querem é que eles enlouqueçam, também conseguem. Mais uma vez, não no sentido desejado.

Se for assim, teremos duas situações: de um lado, uma mulher ensandecida, vomitando suas insatisfações . Mostrando como aquele homem é inábil em lhe fazer feliz. De outra, uma amante de lingerie vermelha, vestida para seduzir. Disposta a muitas coisas interessantes. Qual vai levar um homem à loucura? As duas. Mas de qual loucura ele vai se lembrar feliz? Qual vai lhe deixar a melhor recordação?

Você pode entender traição como falta grave. Mostra cartão amarelo e segue o jogo. Perdoa, esquece e a vida continua. Ou você resolve que é demais para você. Além do seu limite de suportável. Dá cartão vermelho. Expulsa de campo. Deixa vaga para que um novo jogador conquiste aquele lugar.

Algumas pessoas passam a vida carpindo traições passadas. É preciso enterrar o defunto imaginário da outra. Impossível ser feliz com o cadáver do fantasma da traição estendido no meio da sala, apodrecendo sem ser esquecido. Impedindo a livre circulação. Tropeçando nele enquanto bota a mesa do jantar.

Desejo de vingança é veneno que corre na veia da relação. Inferniza o outro e a si mesma. Adoece. A vida é mais que isso: é  partilhar afetos, carinhos, diálogos, prazer.

Quem está de fora dá palpite, dita regras, critica. Não importa. Cada um sabe onde o sapato aperta e o calo dói. Não cabe a mais ninguém julgar o melhor a fazer. Essa opção é única e só pertence ao casal. Eles têm uma história construída, e só eles conhecem a história toda. Mais ninguém.

Avalie seu material. Se acha que o parceiro vale a pena, siga com ele. Se acha que o parceiro só dá bola fora, mude a equipe. De qualquer forma: aperte o delete, depois o start. Deixe o jogo recomeçar.

Mônica El Bayeh psicóloga e professora .
 

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