Entre ela e o parceiro, a cada refeição, mais um lugar era ocupado na
mesa: o do fantasma da traição. Essa era a sombra que nublava aquela
parceria. E transformava em noite o que poderia ser dia quente de sol.
Ela não conseguia olhar para ele. Nem mandá-lo embora. Vivia no
limbo. Nem com ele, nem sem ele. Nem céu, nem inferno. Ali juntos e
separados.
Reconhecia que passava por uma fase difícil, meio chata. Fragilizada.
Triste. O que poderia ter contribuído. Mas, então, não seria esse o
momento de ela receber mais atenção? Se fosse o contrário, ela faria
por ele. Mas o contrário não estava acontecendo. Imaginava a outra
segura, feliz, sorridente, perfumada. Isso lhe moía por dentro. Piorava
sua aflição.
Ele jurava que não tinha nada nem ninguém. Mas homens podem ser assim. Juram inocência até a morte. Era o caso de confiar?
Ela viu uma troca de olhares. O olhar brilhante do parceiro indo em
outra direção lhe apagou a alma. Esmaecida. Ofuscada. Andava assim
agora. Homens têm olhares variados. De apetites diversos. Ideal que
fossem todos só para nós. Melhor seria não saber de outras. Mas não foi o
caso dela.
Noites em claro. A cabeça não descansava. Mandava embora? Desfazia
tudo? Ia perder porque tinha medo de perder? Ou será que já estava mesmo
tudo perdido? Sem saber que caminho escolher, flutuava na tristeza.
Escolhas são movimentos delicados. Quase um jogo de xadrez. É preciso
pesar tudo, avaliar os riscos. O que se perde e o que se ganha? E
definir se é melhor montar na torre ou montar no cavalo e ir embora.
Preservar a rainha, mandar o rei para o campo inimigo? Um movimento em
falso… e xeque-mate.
Toda escolha elege um caminho – e exclui outros. É isso que a faz tão
delicada. Quando escolhemos um parceiro, deixamos as outras opções de
fora. Algumas pessoas não dispõem da capacidade interna de elaborar o
luto pelas opções que ficaram de fora. Escolhem com pena. Não sossegam
na escolha feita. Falta a capacidade de desfrutar em paz do que possuem.
Vivem na falta, no vazio. Querem sempre o que não têm. Estão sempre
insatisfeitos.
Como criança em loja de brinquedos, perguntam: por que só posso escolher 1? Deixa só 2? Só dessa vez?
Se não estão satisfeitos, por que não se separam e partem para uma nova relação?
É simples: porque gostam também do que têm. Mas, na aflição de
experimentar o novo, saem atropelando tudo e todos. Querem e pronto. Não
conseguem manter uma escolha por muito tempo. Ou mantêm, mas não
cuidam nem investem.
Visitei uma estufa de orquídeas uma vez. Era um projeto idealizado.
Foram plantadas, cuidadas por um tempo. Depois trocadas por outro
sonho, um novo projeto. Abandonadas, jaziam secas, sem vida. Tristes
por não ter mais quem lhes dedicasse o trato merecido.
É preciso cuidado para não perder o viço no rastro da traição. É
preciso coragem para, mesmo estraçalhada, cuidar de si mesma quando o
outro, por algum motivo, não consegue mais cuidar. Preservar amor,
amizade, desejo, cumplicidade e parceria exige amadurecimento. É
malabarismo que nem todos conseguem fazer.
Relação é montanha-russa. No início, subidas tranquilas. A vida é
puro amor. Mas, há tempos de loopings e descidas bruscas. Muito
trabalho, correria, dívidas, filhos, contas, aborrecimentos. Falta
paciência, energia, tempo. A gente relaxa na atenção dada a si mesma e
ao outro – na certeza de que ele estará ali sempre. Terão mais tempo
quando essa correria melhorar! Mas uma relação não espera. Relação é
agora.
O que fazer para sobreviver à traição?
Primeira opção: jogar fora a bola murcha. Convoca outro time.
Recomeça o campeonato com mais confiança. Mas, se você continua como
treinador, fique alerta. Pode ser que você esteja moscando em alguns
pontos importantes e tenha ajudado a contribuir na desclassificação do
time .
Segunda opção: Recomeçar com o mesmo time. Mantém o time da casa ,
intensifica a concentração e o treino. Sai da retranca. Melhora o
ataque. Mas um ataque efetivo - não um ataque de nervos. Mulheres falam
muito, gritam, choram. Homens têm verdadeiro horror a tudo isso. Se o
objetivo é que eles percam a cabeça, elas conseguem. Mas, não no sentido
desejado. Se o que elas querem é que eles enlouqueçam, também
conseguem. Mais uma vez, não no sentido desejado.
Se for assim, teremos duas situações: de um lado, uma mulher
ensandecida, vomitando suas insatisfações . Mostrando como aquele homem é
inábil em lhe fazer feliz. De outra, uma amante de lingerie vermelha,
vestida para seduzir. Disposta a muitas coisas interessantes. Qual vai
levar um homem à loucura? As duas. Mas de qual loucura ele vai se
lembrar feliz? Qual vai lhe deixar a melhor recordação?
Você pode entender traição como falta grave. Mostra cartão amarelo e
segue o jogo. Perdoa, esquece e a vida continua. Ou você resolve que é
demais para você. Além do seu limite de suportável. Dá cartão vermelho.
Expulsa de campo. Deixa vaga para que um novo jogador conquiste aquele
lugar.
Algumas pessoas passam a vida carpindo traições passadas. É preciso
enterrar o defunto imaginário da outra. Impossível ser feliz com o
cadáver do fantasma da traição estendido no meio da sala, apodrecendo
sem ser esquecido. Impedindo a livre circulação. Tropeçando nele
enquanto bota a mesa do jantar.
Desejo de vingança é veneno que corre na veia da relação. Inferniza o
outro e a si mesma. Adoece. A vida é mais que isso: é partilhar
afetos, carinhos, diálogos, prazer.
Quem está de fora dá palpite, dita regras, critica. Não importa. Cada
um sabe onde o sapato aperta e o calo dói. Não cabe a mais ninguém
julgar o melhor a fazer. Essa opção é única e só pertence ao casal. Eles
têm uma história construída, e só eles conhecem a história toda. Mais
ninguém.
Avalie seu material. Se acha que o parceiro vale a pena, siga com
ele. Se acha que o parceiro só dá bola fora, mude a equipe. De qualquer
forma: aperte o delete, depois o start. Deixe o jogo recomeçar.
Mônica El Bayeh psicóloga e professora .
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