Quanto a alusões às condições físicas nunca
me incomodaram. Quando eu era magro, referiam-se a esse fato, quando engordei,
fui chamado de gordo, e também nunca faltaram referências à minha proeminente
barriga. Nada disso nunca me incomodou. Quando tive uma convivência intensa com
pessoas das regiões rurais, lá da roça mesmo, muitos negros me chamavam de “meu
branco”, ou “meu patrão”. A escravidão havia sido abolida há cerca de cem anos
e muitos daqueles negros eram descendentes de escravos, e ainda utilizavam
expressões que aprenderam com seus ancestrais. Portando, aquela forma de tratamento
soava para mim como prova de respeito e amizade, porque, eu não era amo, senhor
ou patrão deles, e sim, amigo.
Daí a minha dificuldade de entender
onde está a ofensa em chamar alguém de “negão”, “minha nêga”, “neguinho” ou
coisa que valha. Também não entendo como ofensa tratar alguém por um apelido ao
qual aquela pessoa está acostumada e aceita sem constrangimento o chamamento. O
preconceito está na cabeça de quem o carrega consigo. Há preconceito também na
entonação da voz, na forma como dirigimos o tratamento à pessoa, se de forma
carinhosa ou ofensiva. Se me chamam de “filho de Nossa Senhora”, de forma
ofensiva, eu vou me sentir ofendido. Um dia um leitor do jornal em que eu
trabalhava, disse que eu tinha “fervor religioso”, como se isso fosse a pior
das ofensas. Não sou religioso, mas não vejo problema algum em quem tem
religião e a defende fervorosamente, sem fanatismos ou preconceitos quanto às
demais religiões. É muito natural ser religioso, como também é natural não ser.
Eu estou falando dessas coisas porque
ri muito com meu amigo Antônio Carlos Amorim (Cescé, Pezão, Seu Zé, para os
íntimos), segunda –feira passada quando festejávamos o aniversário da nossa
amiga Orquídea Vacarezza, esposa de Reginaldo Tracajá (esse incorporou o
apelido ao nome). Alguém começou a cantar uma música cujos versos diziam: Ah!
Deixe essa boneca, faça-me o favor. Deixe isso tudo e vem brincar de amor...
Cescé parou de tocar e gritou: Para, para! Para tudo. Essa música não toco não,
senão vão me acusar de pedofilia”. É claro que ele estava brincando e todo
mundo riu muito. E aí foram aparecendo outras músicas, que, segundo os ‘porraloucas’
do governo acham que contém termos ofensivos. Tipo assim: A nêga é minha,
ninguém tasca eu vi primeiro”, não pode. Tem que ser: “A afrodescendente é
minha...
Alguém lembrou também de uma música
infantil: Sambalelê tá doente, tá com a cabeça quebrada, Sambalelê precisava,
de umas boas palmadas... Segundo os porraloucas, não pode, porque faz alusão à
“violência contra a criança”. Ah! Meu
cipó caboco...
Mais tarde eu fui pra casa e no
caminho fui pensando em como ficaria a música “Pivete”, de Chico Buarque e
Francis Hime, se fosse cantada de forma a gradar os porraloucas: No sinal
fechado, ele vende chiclete e se chama menor em risco social...
É... Não dá samba. Nem rima.
Ah! Meu badogue...
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