sábado, 18 de julho de 2015

Orgulho e preconceito

      
 Maura me perguntou, rindo, se eu preferiria ser chamado de “doca” ou “deficiente visual”. Ela riu porque me conhece bem e já sabe meu ponto de vista (desculpem o trocadilho, foi involuntário) acerca do assunto. Eu não tenho apelidos porque nunca dei importância àqueles que tentaram coloca-los em mim. Percebendo que não me irritavam desistiam de continuar me chamando pelo apelido que arranjaram, até porque, eu raramente atendia quando chamado por algum apelido. Não que me importasse, era um reflexo condicionado, afinal, eu tenho um nome e me acostumei a ele. Familiares e alguns amigos ainda me chamam de tovo, cris, tio cris, cri-cri, matinhos, cristovinho, e isso é muito natural.
          Quanto a alusões às condições físicas nunca me incomodaram. Quando eu era magro, referiam-se a esse fato, quando engordei, fui chamado de gordo, e também nunca faltaram referências à minha proeminente barriga. Nada disso nunca me incomodou. Quando tive uma convivência intensa com pessoas das regiões rurais, lá da roça mesmo, muitos negros me chamavam de “meu branco”, ou “meu patrão”. A escravidão havia sido abolida há cerca de cem anos e muitos daqueles negros eram descendentes de escravos, e ainda utilizavam expressões que aprenderam com seus ancestrais. Portando, aquela forma de tratamento soava para mim como prova de respeito e amizade, porque, eu não era amo, senhor ou patrão deles, e sim, amigo.
          Daí a minha dificuldade de entender onde está a ofensa em chamar alguém de “negão”, “minha nêga”, “neguinho” ou coisa que valha. Também não entendo como ofensa tratar alguém por um apelido ao qual aquela pessoa está acostumada e aceita sem constrangimento o chamamento. O preconceito está na cabeça de quem o carrega consigo. Há preconceito também na entonação da voz, na forma como dirigimos o tratamento à pessoa, se de forma carinhosa ou ofensiva. Se me chamam de “filho de Nossa Senhora”, de forma ofensiva, eu vou me sentir ofendido. Um dia um leitor do jornal em que eu trabalhava, disse que eu tinha “fervor religioso”, como se isso fosse a pior das ofensas. Não sou religioso, mas não vejo problema algum em quem tem religião e a defende fervorosamente, sem fanatismos ou preconceitos quanto às demais religiões. É muito natural ser religioso, como também é natural não ser.
          Eu estou falando dessas coisas porque ri muito com meu amigo Antônio Carlos Amorim (Cescé, Pezão, Seu Zé, para os íntimos), segunda –feira passada quando festejávamos o aniversário da nossa amiga Orquídea Vacarezza, esposa de Reginaldo Tracajá (esse incorporou o apelido ao nome). Alguém começou a cantar uma música cujos versos diziam: Ah! Deixe essa boneca, faça-me o favor. Deixe isso tudo e vem brincar de amor... Cescé parou de tocar e gritou: Para, para! Para tudo. Essa música não toco não, senão vão me acusar de pedofilia”. É claro que ele estava brincando e todo mundo riu muito. E aí foram aparecendo outras músicas, que, segundo os ‘porraloucas’ do governo acham que contém termos ofensivos. Tipo assim: A nêga é minha, ninguém tasca eu vi primeiro”, não pode. Tem que ser: “A afrodescendente é minha...
          Alguém lembrou também de uma música infantil: Sambalelê tá doente, tá com a cabeça quebrada, Sambalelê precisava, de umas boas palmadas... Segundo os porraloucas, não pode, porque faz alusão à “violência contra a criança”.  Ah! Meu cipó caboco...
          Mais tarde eu fui pra casa e no caminho fui pensando em como ficaria a música “Pivete”, de Chico Buarque e Francis Hime, se fosse cantada de forma a gradar os porraloucas: No sinal fechado, ele vende chiclete e se chama menor em risco social...
          É... Não dá samba. Nem rima.

          Ah! Meu badogue...

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