segunda-feira, 31 de maio de 2021

Náufragos

    Não sei você, mas eu tenho medo de altura. Não chega a ser tão incomum quanto a filemofobia – a fobia de beijar –, mas cada um que lute com seu prejuízo. Pelo que sei, eu e a torcida do Flamengo compartilhamos essa agonia, mas ninguém gosta de anunciar suas fraquezas. No entanto, a verdade nua, crua e frágil é que sinto vertigem sempre que vejo a foto de alguém fazendo selfie suicida na beira de um penhasco, pendurado em bungee jump sobre o abismo ou sentado em uma viga no 69º andar de um prédio em construção. 
- Quanto medo você tem amigo?
- Não sei, mas jamais poderia ter nascido mulher – só por esse detalhe, esclareço – porque não andaria nunca em cima daquele astronômico salto criado pelo baixinho Luiz XV nem seria capaz, sequer, de subir nas tamancas. Menos ainda, sambar naquela altitude de um salto-agulha com o completo desequilíbrio ergonômico que envolve o salto, o silicone dos seios e a abundância calipígia. Deve ser culpa dos labirintos em meus ouvidos, como diz a ciência.
- Isso inclui medo de avião?
- Sim.
- Bestagem! Avião é mais seguro que carro.
- Até acredito. Mas avião tem um problema: o defeito é no ar e a oficina é na terra. Nunca entrei em um carro em que me orientassem usar a saída de emergência, a máscara de oxigênio e o assento para boiar na água, mas todo mundo é corajoso até turbulência em contrário.
- Você precisa de um médico.
- Eu sou médico.
- Você precisa de uma benzedeira.
- Minha mãe já tentou isso!
- Você sente o que, afinal?
- Desconforto. Acho que não gosto da falta de controle, de depender que não haja falhas, quando sei que a vida é feita de imprevistos e erros de gravação. Amo tanto viver que me recuso a dar chance extra às fiandeiras do destino e ficar sem a Scarlet Johansson e o sorvete de tapioca ou, pense aí: os dois juntos.
- Já tentou descobrir de onde vem esse medo?
- Não sei... O medo é uma ilha. Nem sempre sabemos como desembarcamos nela. Talvez sejamos apenas náufragos de um trauma ou de uma memória. Darwin dizia que o medo, ao lado da alegria, tristeza, nojo, raiva e surpresa, era uma das seis emoções fundamentais. E na Universidade de Atlanta, condicionaram ratos a relacionar o cheiro de flores de laranjeira ao medo. Depois, os filhotes desses ratos expostos ao mesmo cheiro mostraram sinais de medo, assim como os netos e as gerações subsequentes. Não sei se a emoção que me vem é de herança, mas temo deixar como legado.
- Tá. Simplifica! Desembucha!
- Talvez seja apenas a lembrança dela que um dia me levou para um lugar bem alto e me deixou cair sozinho.

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