segunda-feira, 3 de maio de 2021

Por um planejamento de longo prazo no enfrentamento à pandemia

                 O mundo precisa rever a estratégia de enfrentamento a Covid trocando as ações pontuais por uma estratégia de longo prazo. Não podemos continuar sendo enganados por nossas esperanças de uma solução rápida e objetiva. No começo da pandemia escrevi incansavelmente sobre testagem maciça para distanciamento controlado, mas foi chover no molhado. Agora, temos essa tragédia indescritível, e por mais que soe doloroso precisamos entender as lições que o vírus – vindo da China - nos dá.  Ferozmente ele venceu todas as previsões contrárias a sua disseminação: é um país tropical, a densidade urbana é baixa, a imunidade de rebanho será atingida.

        O vírus nos desmentiu e castigou nossa soberba de forma letal e implacável. Os eugenistas que defendiam a imunidade de rebanho natural - imortalizada na célebre e canalha frase do morra quem tiver de morrer - foram desmoralizados por Manaus e Suécia que demonstraram não ser possível. Defendemos remédios inefetivos e como em um ensaio sobre a cegueira nos dividimos, desestimulando o uso de máscara, vacinas, distanciamento, de forma criminosa. Tudo que o vírus podia desejar.
        Todos os prazos de controle foram vencidos, e emendamos uma segunda e depois uma terceira onda. E quando todos apostavam no seu crepúsculo ele levantou-se na Índia de forma feroz e aterradora. A cada surto incontrolado o vírus lança novas cepas, mais resistentes, mais contagiosas e com mais chances de escapes das vacinas. Apesar de nossa expertise que já reduziu a mortalidade em UTI em 20% tivemos 200 mil mortos em quatro meses, enquanto em 2020 precisamos de 9 meses para atingirmos o mesmo número. Acho que o vírus está sendo bastante loquaz no que está nos dizendo.
        Considerando que o mundo tem 8 bilhões de pessoas e que apenas 1 bilhão está vacinado, dá para termos uma ideia do tempo necessário para que a imunidade de rebanho pela vacina seja atingida e o risco que corremos por essa assimetria vacinal. Novas ondas, por outras cepas, não são improváveis.
        É por isso que precisamos vencer a ilusão do curto prazo. A pandemia será longa, e o tempo de seu controle é uma incerteza. Assim, temos de pensar em uma guerra arrastada e fazer um planejamento de longo prazo – eu diria que até o fim de 2022, ao menos - para não ficarmos criando falsas expectativas e fazendo remendos pontuais. Precisamos de estratégias de longa aplicação em saúde pública; em suporte de insumos com fábricas de material, fábricas de vacinas independentes; em intervenções econômicas e de apoio as empresas e aos desassistidos; de mobilidade; testagem; entre outras, mas diferente do que estamos fazendo com foco no curto prazo, como se ela fosse acabar amanhã.
        Como disse Churchill: isso não é fim, não é nem mesmo o começo do fim, mas apenas o fim do começo.
 
*César Oliveira é médico (Nefrologista) professor da UEFS e articulista.

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