Se o debate entre os candidatos
Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) no último domingo foi mais
“ameno” do que os encontros anteriores, o clima entre as campanhas e
entre os eleitores que apoiam o tucano e a petista está longe de ser
tranquilo.
Além das trocas de acusações e do bate-boca que
caracterizaram os dois primeiros debates televisionados, confrontos
entre “aecistas” e “dilmistas” são frequentes nas redes sociais e
relatos publicados pela imprensa e por internautas dão conta inclusive
de agressões verbais e físicas entre partidários das duas candidaturas.
O
ambiente inflamado das campanhas também levou o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) a suspender, na última semana, propagandas de Aécio e
Dilma que traziam ataques e acusações. Como justificativa para uma das
suspensões, o ministro Tarcísio Vieira, do TSE, afirmou que as
propagandas deveriam se focar em “ideias” e não em “pirotecnias”.
Mas por que o ambiente da disputa eleitoral está tão polarizado? Este é um fenômeno apenas brasileiro?
Na
opinião de Felipe Nunes dos Santos, professor de Ciência Política na
Universidade da Califórnia em San Diego (EUA) e estudioso de
instituições políticas na América Latina, parte do clima de “Fla x Flu”
deve-se ao fato de que um ponto crucial nesta eleição não é o apelo da
presidente ou de seu opositor, mas, sim, qual dos dois terá a menor
rejeição.
"A estratégia não é só atrair voto, mas tirar voto do outro lado", diz Santos.
Além
disso, de acordo com o pesquisador, o fato de o segundo turno limitar
as opções dos eleitores a apenas dois candidatos incentiva ainda mais a
polarização.
"Vemos isso na internet, nas conversas, nos grupos de
pesquisa de opinião: com os resultados da votação sendo mais apertados,
as pessoas vão cada vez mais aos polos (do espectro político) para se
diferenciar (do outro polo), sem querer dialogar com ele."
Disputa
Na visão de Helcimara Telles,
que lidera um grupo de estudos de opinião pública na Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), essa polarização deriva do fato de PT e
PSDB estarem se enfrentando pela Presidência pela sexta vez consecutiva.
"O que orienta a escolha é a ideologia, mas também o voto contra."
O
fato de as eleições estarem tão competitivas – algo que não parecia
provável meses atrás, quando Dilma estava na dianteira – também
contribui para a polarização, diz Harold Trinkunas, analista de América
Latina do Instituto Brookings (EUA).
"Essa competitividade gera
uma resposta emocional maior", afirma. "E trata-se também do reflexo do
momento do país: vocês estão chegando em um ponto em que um modelo de
inclusão social está chegando a seus limites naturais. O crescimento
econômico será mais difícil. As pessoas respondem a isso."
Outros países
Ainda
que muitos acreditem que a "baixaria" nos embates políticos seja um
fenômeno brasileiro, segundo especialistas, o cenário não é diferente em
outros países onde há uma característica de bipartidarismo.
"Nos
Estados Unidos, os candidatos usam muito mais ataques do que aqui,
porque muitos eleitores já têm seu voto consolidado em um dos dois
partidos (Republicano ou Democrata) e menos desses votantes são
voláteis", explica Telles. "Daí, o desafio não é convencer os eleitores a
deixar sua ideologia, mas, sim, a duvidar da capacidade de um candidato
específico de governar o país."
Países europeus como Reino Unido e Espanha também têm uma polarização bipartidária que oscilou ao longo da história.
No
Reino Unido, debates semanais no Parlamento entre o premiê e o líder da
oposição, além de encontros frequentes entre secretários e
oposicionistas, ajudam a criar no país uma cultura de discussões
políticas. Mas, mesmo lá, os eleitores têm dificuldade em discutir
detalhes de cada plataforma, explica Anthony Pereira, diretor do Brazil
Institute no King's College, em Londres.
"Acho que (o debate no
Brasil) decaiu um pouco para caricaturas. Seria bom se houvesse mais
detalhamento de programas para que as pessoas pudessem analisá-los",
aponta. "Mas mesmo quando partidos publicam plataformas bastante
detalhadas, como no sistema britânico, as pessoas não olham a fundo e
tendem a se deter em superficialidades nos debates."
Show
A
divisão estilo "Fla x Flu" também é vista claramente em vários países
latino-americanos, ainda que com outras características, afirma Santos.
"Em
muitos deles, a dualidade do debate é mais centrado em pessoas – Hugo
Chávez na Venezuela, Perón na Argentina e Evo Morales na Bolívia – do
que em partidos", diz ele. "Já no Chile e no Uruguai temos uma
polarização de esquerda e direita mais clara, em que as pessoas votam no
partido."
"Há os
públicos que votam em você por suas propostas, pelo seu partido, pelo
seu carisma ou porque você parece melhor que o outro - por eliminação,
não tanto por escolha."
Mas para Trinkunas, do Brookings, a
polarização no Brasil não tem implicações tão graves quanto em outros
países. "O país tem hoje instituições sólidas. Não é algo tão difícil de
lidar quanto na Venezuela, onde a polarização é grande e as
instituições são mais fracas para lidar com ela."
Avançamos?
Mas será que o debate eleitoral evoluiu juntamente com a melhora dos indicadores socioeconômicos do Brasil?
"Em
parte sim, em parte não", opina Telles. "Nas eleições de 1989, não
tínhamos como comparar os partidos, e a experiência que temos agora nos
dá mais informação."
Por outro lado, diz a professora da UFMG, os
candidatos continuam martelando acusações mútuas de corrupção, sem que o
país até agora tenha tomado alguma medida que tenha eliminado de vez o
problema.
"A corrupção acaba sendo tratada pelos candidatos como
uma questão moral, em vez de institucional", diz a especialista . "(Na
ausência de mudanças institucionais), os candidatos continuarão a
levantar bandeiras anticorrupção em vez de discutir propostas e
políticas públicas."
Para Felipe Nunes dos Santos, "o debate melhorou, mas talvez de forma diferente do que esperávamos”.
“A maioria das pessoas não está
discutindo temas técnicos sobre educação e saúde, mas está prestando
mais atenção e assumindo seus lados na política. E esse debate mais
técnico tampouco acontece em países da Europa ou nos EUA".
Para os
Santos e Helcimara Telles, no entanto, há muito espaço para aumentar a
qualidade do debate eleitoral do Brasil – e isso passaria por uma
reforma política que ampliasse as formas institucionais de combater a
corrupção, debatesse o financiamento público de campanha e facilitasse o
entendimento das coligações e do voto legislativo pelo eleitor.
"Não
é ruim que os eleitores tenham posições firmes (sobre seus candidatos),
o ruim é que o processo eleitoral dificulte o entendimento de como
funcionam os partidos", diz Santos.
"(Uma reforma) permitiria que
falássemos de ideias partidárias maiores do que a mera diferenciação dos
candidatos por sua imagem pessoal." (BBCBrasil)
*Colaboraram Rafael Barifouse, da BBC Brasil em São Paulo, e Alessandra Correa, da BBC Brasil nos Estados Unidos
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