terça-feira, 19 de abril de 2016

O último cuspe, fascismo e a democracia

            É muita saliva gasta com o cuspe alheio, mas, já que caiu no gosto popular vamos cuspir no assunto pela última vez. Li relatos de almas lavadas pela cuspida do afetado Jean Wyllys no reacionário Bolsonaro e juras de pés juntos que fariam o mesmo. Direito individual de cada um, mas há outros aspectos.
            Bolsonaro é uma aberração e só um desequilibrado é capaz de defender um torturador que coloca ratos em vaginas de grávidas. O busílis, no entanto, é outro. O deputado Wyllys, premeditadamente, disse que ia cuspir -e cuspiu- em Bolsonaro.         
                      Ainda que tenha entusiasmado muitos devo lembrar que ele estava ali investido da função de deputado e que existe um decoro a ser cumprido. Bolsonaro, da mesma forma, está ali, legitimamente eleito, por mais que odiemos o fato. Acontece que a democracia não é isto. Eu não posso legitimar a agressão de Jean porque a vítima " merece", afinal, o " merece" é o meu julgamento e, aí, eu autorizo o adversário a achar legítimo suas (re)ações porque o lado de lá pode achar tão odioso e merecedor de repulsa e agressão a posição de quem está do lado de cá. Sob a ótica dele é justo e adequado.
            A democracia não se sustenta sob esta argumentação. Ao contrário, o que a faz real, plena, é exatamente a capacidade de lidar com os piores discursos dentro dos limites legais da lei. Não podemos combater o adversário marcando os inimigos abatidos na coronha do revolver ou no lançamento de saliva a distância por mais detestável ou " merecedor" que alguém pareça dentro do parlamento. Ou quando o deputado defender o aborto, ou o "kit gay", nas escolas, poderá ser cuspido, agredido, por um fanático religioso ou um pai que discorde? Quando mulheres nuas simularam sexo com um crucifixo, no RJ, misturaram com excrementos, estava autorizado serem agredidas por católicos? As pautas e os discursos legítimos não podem ser apenas aqueles que concordamos.
            Não, eu detesto Bolsonaro, e acho abjeto e digno de horror que alguém defenda um torturador, pois, o Estado nunca pode ser usado contra o cidadão, seja como tortura, seja violando o sigilo bancário de um caseiro, como fez Palloci, mas não admito que outro deputado cuspa nele. Eu não cuspirei em nenhum dos dois. É, também, asqueroso.
            Dizem que o maior perigo que há é quando começamos a enxergar fascismo apenas no que o outro faz. Não custa tomarmos cuidado, pois podemos começar validando os que cospem com saliva esquecendo que podemos estar autorizando os que cospem com ratos.


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