Em 2001, a consultora irlandesa
Clare Burge voltou de umas férias de dez dias e encontrou 10 mil novos
e-mails em sua caixa de entrada.
Em um momento de "loucura",
segundo ela, Burge decidiu fazer uma experiência radical: ficar um ano
inteiro sem usar o correio eletrônico. Acionou uma resposta automática
em suas contas de casa e do trabalho, pedindo para que as pessoas
ligassem se precisassem falar com ela. Foi algo que transformou sua
vida.
"O e-mail é uma ferramenta muito egoísta", define Burge, que
hoje dirige a consultoria Get Organised, em Dublin. "As pessoas
despejam tarefas na caixa de entrada das outras sem nem pensar se estão
incomodando". O resultado: "Você se torna um escravo do Inbox, checando
seus e-mails da hora que acorda ao momento de se deitar".
Muitos
trabalhadores entendem a irritação de Burge com o fluxo constante de
mensagens chegando a qualquer hora do dia ou da noite. O e-mail também
pode ter um impacto direto nos resultados financeiros de uma empresa, já
que distrai os funcionários de tarefas importantes com um volume
desnecessário de recados.
Mais produtividade
Uma
pesquisa estima que, em média, uma pessoa leva 64 segundos para retomar
o que estava fazendo após ler uma mensagem nova. Outros estudos
mostraram que isso pode levar a um total de várias horas perdidas por
dia.
Como se trata de um atraso na eficiência do escritório e no
bem-estar do funcionário, o e-mail agora entrou na mira de corporações
ao redor do mundo. No mesmo ano em que Burge abriu mão da ferramenta,
Thierry Breton, diretor-executivo da empresa francesa de tecnologia
Atos, anunciou a seus 80 mil funcionários que eles estavam proibidos de
usar o correio eletrônico interno.
Desde então, esse tipo de
proibição tem se tornado uma maneira cada vez mais popular para as
empresas ajudarem seus funcionários a manter um equilíbrio saudável
entre o trabalho e a vida doméstica, e aumentar sua produtividade.
A tendência está se arraigando
em vários setores. Na Alemanha, algumas montadoras anunciaram políticas
para limitar o uso do e-mail. Nos Estados Unidos, um conhecido
colunista do The New York Times escreveu sobre as ferramentas que ele usa com seus editores para substituir a comunicação por e-mail.
Na
Grã-Bretanha, a Halton Housing Trust, uma ONG que cuida de pessoas sem
moradia e gerencia milhares de casas, decidiu simplesmente extinguir a
ferramenta.
Seu diretor-executivo, Nick Atkin, é um crítico feroz
do correio eletrônico, apesar de ter admitido recentemente que a
iniciativa ainda está longe de ir de vento em popa.
Segundo ele,
os desafios de fazer com que seus 280 funcionários parassem de checar
sua caixa de entrada constantemente "mostra o quanto as pessoas estão
viciadas no e-mail e, sendo assim, têm uma resposta irracional quando se
ameaça tirar isso delas".
Sugestão de funcionária
Na
Van Meter, uma distribuidora de peças elétricas de Cedar Rapids, em
Iowa, nos Estados Unidos, acabar com os e-mails depois do expediente foi
parte de um programa mais abrangente para melhorar a cultura interna da
empresa.
Há dez anos, a companhia começou a medir o envolvimento
dos funcionários e a implementar políticas que melhoraram o equilíbrio
entre a vida doméstica e o trabalho.
Para Lura McBride, diretora
de operações dessa companhia de 400 funcionários, a gota d'água foi
perceber que tinha se habituado a travar as portas do carro ao
estacionar da garagem de casa no fim do dia para continuar trabalhando,
enquanto seus quatro filhos tentavam chamar sua atenção pelas janelas.
McBride
sugeriu a seus superiores cortar os e-mails internos depois das 17h e
nos fins de semana, sugerindo telefonemas no lugar.
Para ela, a
regra serve mais para respeitar o tempo das outras pessoas. Afinal,
quando escutamos o sinal de que chegou um novo e-mail sempre nos
sentimos obrigados a verificar se se trata de algo importante.
Ao
longo do tempo, a decisão se infiltrou e se tornou parte da cultura
interna da Van Meter. Quando um empregado sai de férias, a empresa até
desativa seu e-mail.
McBride e seus colegas ainda trabalham de
noite, mas ninguém manda mensagens eletrônicas, a não ser que se trate
de responder a um cliente ou de algo inadiável.
Mudando o ritmo
O
que a irlandesa Burge aprendeu durante seu ano longe dos e-mails é que
para fazer isso bem, as empresas precisam encontrar alternativas para
que as pessoas se comuniquem e contribuam entre si.
Ao ouvi-la em
uma palestra, o consultor em informática Lee Mallon, da cidade britânica
de Bornemouth, tomou a mesma decisão e aboliu seus e-mails em setembro
do ano passado.
Quando anunciou sua decisão, seus funcionários
respiraram aliviados. Para ele, o maior desafio foi a transição para
outras ferramentas de comunicação que funcionam melhor para designar
tarefas e compartilhar documentos.
"Antes, o e-mail era o
recipiente de todas as comunicações, além das interações com clientes e
armazenagem de documentos", diz Mallon. "Agora usamos quatro produtos
diferentes para cada tipo de comunicação".
Em seu pequeno
escritório, os assuntos mais urgentes são discutidos pessoalmente ou por
telefone. Para compartilharem informações e se manterem a par do
andamento de algum projeto, os funcionários usam o Skype, o Dropbox e o
Slack.
"A equipe se comunica muito melhor", afirma ele, que estima
ter economizado 20% do dia de trabalho ao se livrar do e-mail. "Agora
os assuntos se resolvem imediatamente."
Burge acredita que um
mundo sem e-mails ainda está longe de se tornar realidade. "Eu ainda uso
a ferramenta diariamente porque não consegui converter as 7 bilhões de
pessoas do planeta", brinca. (BBCBrasil)
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