sexta-feira, 25 de julho de 2025

Que lugar é esse?

Nunca mirei caminho, por arremedo do divino. De pretensão, tenho pouca, que já vi perdas demais, e sei que sou desprovido dessas habilidades que os vencedores exibem. A vida é assim: assoreio. Dos outros e de mim. Não vivo mais que tentando domar aquilo em mim – fera contida – que só existe inteiro em outro lugar. Eu nem sou eu; nem ninguém é nada além de assombros e desconcertos. Não sabe de si, qualquer um – não me inclua fora dessa – do que a joaninha à toa na folha da roseira, uma borboleta que se distrai no vapor quente quando chove, uma estrela que, madrugada, brinca de cair.

Viver é todo o tempo não saber o dialeto exato que nos decifra e morar nesse lugar desconhecido que nos abriga. Nem antes nem agora viemos só de onde partimos. Ao contrário: migramos de todas as estações de trem, rotas de navios, poças d’água pisadas na rua. Somos confluência e destino. Tudo que fomos será ainda mês que vem.
O mundo é só a miudeza das coisas, um engano de amor, uma bebida na hora certa. Vivemos do pastoreio de tempestades, do que vai por aí. Eu também vou por aí, seguindo. Uns dias, inteiro; outros, pano de remendo, que a vida é esse debulhar de vagens de esperança. Vou por aí, cavalo sem brida, pedra de badoque atirada a esmo, passo de dança colado entre as coxas da mulher. Tudo é farelo moído no grande moinho de moer tudo – a memória, as certezas, o sal das horas. Grande é o que não damos conta, o que mora em nosso coração. As dúvidas que não respondemos, o que ficou calcinado nas chuvas de desamor, os delitos do imaginário.
Em dias de afinamento, abraço meus pais em seus braços ausentes, como se ainda fosse deles o dever de me cuidar – tanto que faltou, tanto que falta. Queria mesmo era saber voar, feito qualquer passarinho bobo, para não ter saudade nas lonjuras e beijar a boca que o sonho decalcou.
Sei que o áspero – o verdadeiro e o imaginado – que nos rodeia é um cardume a devorar nossas iscas, mas o amargo não ergue um mundo, não bota banquete, não acalanta nenhum sono. Não dá serventia nesse mundo de meu Deus. E, de fastio, vida nenhuma se dá motivo. Por isso, me sirvo de teus gemidos para rezar a anunciação, antes da fumaça definitiva que tudo turva e encerra.
𝗖𝗲𝘀𝗮𝗿 𝗢𝗹𝗶𝘃𝗲𝗶𝗿𝗮 - Tabaréu, feirense, médico, professor, apaixonado por palavras, pessoas e a vida. Sou de mato, vinhos, cafés, pratos, prosas - falada e escrita. Essa tem sido minha receita.

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