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César Oliveira |
Pode parecer, ao olhar mais desatento,
que o médico tem um ofício divino e poderes ilimitados, refazendo no corpo as
imperfeições, as falhas, os traumas, que a vida vai nos legando. Não se deixa
de ter um pouco de razão, afinal, prolongar a vida, permitir que o milagre do
parto se refaça milhares de vezes por dia, estender o tempo de alguém sobre a terra quando, em uma emergência, tudo mais já
parece perdido, não deixa de ter algo de divino. Porém, mais que isso, é
preciso entender que o médico é um operário de seu saber, com sua lavoura
arcaica, de gente. E, como todos, sentem frio, fome e sede.
Mais do que nunca, ser médico exige o
talento de um administrador para distribuir seu tempo entre diversos empregos,
e a habilidade de um Templário para lutar com os gestores da Saúde. E pede-se
que seja um homem de alma dura e força sobre-humana para sobreviver às
condições de trabalho na rede pública onde, como um Deus impotente, mas senhor
dos destinos, tem que escolher quem vive e quem morre. Sem perder, entretanto,
a capacidade de enternecer-se com os que necessitam, os que dependem do seu
amparo, com os que, fragilizados pela doença e pela dor, necessitam do abrigo
de sua sabedoria salvadora. Isso tudo, sem tornar-se vaidoso em excesso e sem
esquecer que seu saber é sempre menos do que o necessário, finito, e mutável. E
que, por isso mesmo, a busca da precisão – este eterno moinho- deve ser sua
única obsessão permanente e interminável.