sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Crônica da Semana


A casa de Dona Julinha

Dona Julinha, já falecida, mãe dos meus amigos Paulo Norberto, Jorge, e também de Gudelha e Edna (Mariá), residia numa casa na rua Boticário Moncorvo, em Feira de Santana, no bairro da Kalilândia. Como a maioria das casas da rua, não era nenhuma mansão, mas era confortável, sobretudo, pelo calor humano que dali emanava. Ela era simpática ao extremo, alegre, festeira, e tratava todos os amigos dos filhos como se fossem seus. Seo Toninho, sempre circunspecto, não era menos receptivo. E assim, a casa de Dona Julinha era como uma extensão da casa de nós todos.
Família oriunda de Santo Amaro da Purificação, gozava (e ainda goza) da intimidade do clã dos Veloso. Paulo Norberto volta e meia está por lá, rendendo homenagens à matriarca D. Canô e cultivando a amizade que tem com os filhos dela. Voltando à casa de Dona Julinha, se não tinha festa na casa, era ali que se programava os finais de semana. Aliás, festa em Feira de Santana era o que não faltava naquela época.
Antes de sair para as boates do Cajueiro ou do Tênis, era lá que a moçada se reunia. E pra já sair “calibrado”, algumas doses de uísque, Cuba Libre (rum com coca cola) ou Gin Tônica. Em tempos de Micareta a casa ficava cheia, porque vinham amigos de Salvador, Santo Amaro e outras cidades, todos acolhidos e hospedados na casa de Dona Julinha, que não escondia a sua satisfação.
Aliás, era uma característica das mães daquela época, querer ter sempre os seus filhos e os amigos destes por perto, conhecendo-os melhor e com eles participando e compartilhando das suas alegrias e tristezas. Quando, em casa, a coisa não ia bem, os pais dos amigos tinham sempre uma palavra amiga para aconselhar. E quando tudo estava bem, festejos também não faltavam. Era só alegria.
A “fauna” que pululava na Casa de Dona Julinha tinha tipos como Jorge Defunto, Edmundo Carôso, Lessão, Pita (não o cantor), Carlos Pita (o cantor), Jorge Doido, Chimbinha, Teresão, Márcio Nunchaku, Zé Macaco, Cal Dentista, César Cão, César Ubaldo, Rejane, Gilson Orangotango, Beto Folha, entre outros. Nos finais de semana, boa parte dessa galera ia dormir na casa de Dona Julinha, pois a resenha continuava madrugada a dentro.
Numa dessas ocasiões, Pita, filho de Dona Isa, vizinha e amiga de Dona Julinha, não chegou em casa. Dona Isa foi ver na casa da amiga e, chegando lá, foi informada que havia um bom número de rapazes dormindo lá. Ela foi até o quarto, abriu a porta, viu aquele amontoado de bebuns, mas não viu Pita. Procura daqui, pergunta dali, encontraram Pita dormindo em baixo da cama de Paulo tendo como “travesseiro” o sapato do amigo.
Além das boates dos clubes sociais, animadas pelos “Trogloditas”, “K Samba” e “Lordão”, entre outras bandas, os finais de semana tinham, além dos barzinhos, bailes nos colégios, animados pelos “Leopardos”, “Israelstones”, “The Angels”, “Bat Boys” e demais bandas da cidade. Além do Iê, Iê, Iê, predominava também o “Sambão”. Não havia bairro da cidade que não tivesse um ou mais grupos de samba. E foi justamente na casa de Dona Julinha que nasceu o grupo de samba “Assafrô, assim denominado por Paulo Norberto.
Como disse antes, não havia fim de semana que não tivesse alguém hospedado na casa de Dona Julinha. Numa desta ocasiões, Edmundo Carôso estava lá e saiu para tomar umas e outras e comer alguma coisa. Encontrou com Lessão e foram juntos comer um ensopado de carneiro numa bodega localizada atrás do Feira Tênis Clube. A princípio, Carôso estranhou o gosto do ensopado, mas Lessão argumentou que ele é que era abusado, pois o ensopado estava bom.
Tão logo acabaram de comer as barrigas começaram a reclamar, fazendo barulhos estranhos (e vocês não imaginam o que é um barulho estranho numa barriga como a de Lessão). A bodega, pra variar, não tinha sanitário. O local mais perto que Carôso lembrou foi da casa de Dona Julinha. Correram para lá, onde já chegaram com as calças na mão. Porém, o banheiro estava fechado. Carôso, intimo da casa, bateu na porta. Quem estava lá era seu Toninho, que respondeu: “Meu filho, eu acabei de entrar no chuveiro”.
Porém, nos fundos da casa havia um tanque elevado e, em baixo dele, um pequeno sanitário com um único vaso. Não dava pros dois, mas, o desespero era grande. Aperta daqui, aperta dali, sentaram os dois, de banda, um de costas pro outro. Mesmo assim, principalmente pelo tamanho de Lessão, o fi-o-fó não ficava bem alinhado, e um empurrava o outro toda vez que vinha uma contração. “Êpa! Agora é minha vez, chega pra lá” – dizia um. “Ôpa! Agora sou eu”. - dizia outro.
E assim, empurra dali, empurra daqui, foram conseguido aliviar a cólica e se safaram sem maiores constrangimentos. À exceção da gozação dos amigos, pois a casa estava cheia deles. E lá sempre cabia mais um, por mais apertada que fosse a casa. Ou o banheiro.

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