segunda-feira, 17 de maio de 2021

Uma crônica de segunda: Meu pai e os incêndios

        Foi meu pai que me ensinou a apagar fogo. Aprendi com ele que uma das coisas mais difíceis de se fazer no campo é combater um incêndio. Então, todo período de seca ele tentava prevenir a queimada fazendo aceiros (arrancar todo capim) até um metro de distância da cerca. Assim, se houvesse um fogo na estrada porque alguém jogou um cigarro, ele não passava para o pasto.
- prevenir é sempre mais barato que consertar, dizia.
    No entanto, às vezes, o vento levava a faísca, o pasto incendiava e tínhamos de apagar. Com o incêndio se disseminando só nos cabia tentar reduzir os danos. Retirávamos o gado, estacas que estivessem guardadas por ali eram recolhidas no carro de boi, e íamos cortar o fogo que invadia as matas.
    - Fogo se apaga com fogo, também, ensinava.
    Fazíamos aceiros adiante do local do incêndio, e, a depender do vento queimávamos lugares onde tivéssemos controle. Se perto do Rio deixávamos o incêndio ir até lá e ficávamos do outro lado vigiando e apagando faíscas, para o fogo não pula.
    Além disso, jogávamos água, trazida em barris, nos burros, especialmente nos troncos - ou tocos, como dizíamos por lá - para não serem novos focos. E trabalhadores, vizinhos, amigos, solidários, como Jedis, com feixes de palhas de licuri em substituição aos sabres de luz, iam batendo nas labaredas, nas margens da queimada.
    - Fiquem atentos ao perigo, alertava meu pai.
    De repente o vento muda de direção e vem um calor inesperado e voraz do fogo, que te imobiliza, e te abraça traiçoeiramente, antes de te fazer vítima. É como entrar em combustão. Você fica imóvel, desnaturado, sem defesa. Às vezes, com extremo esforço, você consegue se afastar sozinho. Aí, recupera o ar, retoma a palha, muda de posição e recomeça. Às vezes, um companheiro tem de te puxar, por isso, nunca é bom apagar um fogo desses sozinho.
    Era uma luta e toda luta tem sua beleza, não importando a tragédia. A noite era linda, iluminada pela madeira que ardia na escuridão como se fosse um céu ao avesso, embora fosse apenas um aviso que no outro dia teríamos de estar prontos, com novas palhas. E no dia seguinte, no outro, no outro, até o fogo acabar, pois, sempre acabava.
    Combatemos o fogo selvagem dessa pandemia com palhas de licuri - distanciamento, máscaras, escassas vacinas - por isso é necessário lutarmos juntos para vencermos, com a menor perda de vidas. Se ficarmos desatentos aos ventos e com vozes desunidas a nova onda virá e seremos consumidos. Foi assim que aprendi com meu pai!

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