sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Valmir


Pense num cara desligado. Pensou? Valmir era mais. Até hoje eu não sei ao certo de onde ele veio e nem pra onde foi. Sei apenas que se empregou como doméstico na casa dos meus pais, e é só. Eu era bem garotinho, mas não dá pra esquecer. Eu criava um casal de periquitos, desses verdinhos, chamados cuiubinhas, e pedi a Valmir que fosse comprar milho painço para os bichinhos. Ele voltou umas quatro horas depois trazendo dois abanos.
Ele era assim. Esquecia o que tinha que fazer, mas não voltava de mãos vazias. Certa vez, minha mãe mandou ele comprar alguns carretéis de linha. Ele chegou tarde, já com a noite fechada, trazendo um enorme pacote de pães. Assim era Valmir. Ia levando sua vida na maciota, a gente às vezes se zangava com sua malemolência, suas trapalhadas, mas ninguém tinha coragem de despedi-lo.
Foi Pipiu Bahia quem teve a idéia de alfabetiza-lo. Naquela época, Arnold Silva, seu tio, era candidato a prefeito e Pipiu, que namorava Ada, pediu que ela o alfabetizasse para que pudesse tirar título de eleitor e votar em Arnold. Assim começou a tarefa inglória de alfabetizar Valmir.
Ada preparou uns cadernos com folhas de papel pautado, costuradas com agulha e linha, e começou a ensinar o alfabeto a Valmir. Depois passou a ensinar-lhe a formação de sílaba e, finalmente, palavras e frases.
Principalmente, ensinou-lhe a escrever o seu próprio nome. Aliás, um nome com sobrenome inventado, pois ninguém sabia os nomes dos seus pais (nem ele), e foi assim que foi registrado como o nome de Valmir dos Santos. No cabeçalho de uma folha Ada escreveu seu nome e pediu que ele copiasse várias vezes, até encher a folha, com letra cursiva, à guisa de assinatura.
Finda a tarefa, ela disse: Bem, Valmir. Agora que você já sabe escrever o seu nome, assine aqui nesta folha, pra gente ver como é que ficou.
Valmir ficou ali, olhando para o telhado, mordendo a cabeça do lápis, olhando para a folha em branco e meditando profundamente, como se a folha fosse uma esfinge a desafia-lo: “Decifra-me, ou devoro-te”!
Impaciente, Ada cobrou: Vamos rapaz, escreva o seu nome! E Valmir, com toda a paciência que Deus lhe deu, confessou não ser capaz de executar tamanha tarefa. “Mas Valmir – disse Ada, ainda mais irritada – Você acabou de encher uma folha de papel pautado com o seu nome, como é que você diz que não sabe? E Valmir, como que iluminado, com um brilho nos olhos, exclamou: “Ô! E aquilo era meu nome”?
Valmir sabia que o nome da sua mãe era Fausta, mas não lembrava o nome do pai. Aliás, uma vez ele perguntou a Ada se Fausta se escrevia com H. Sobre o pai, ele lembrava apenas que era o nome de um mês. E toca a gente a imaginar. Seria Augusto, Julio? Nada. Alguém até lembrou-se de Setembrino, mas também não era. O único parente que se conhecia de Valmir era um tio, um velho marceneiro que trabalhava na rua da Aurora. E alguém foi lá, saber se o velho sabia o nome do pai de Valmir.
“Olha moço, a gente tá querendo tirar os documentos de Valmir, mas precisamos dos nomes do pai e da mãe dele. A Mãe ele disse que é Fausta, mas o pai ele disse que o nome de um mês, só que a gente não descobriu que mês é esse”. O velho coçou a barba, e disse: “O nome do pai dele é Maximiniano, mas a gente só trata ele por Mauço”.

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