É comum presenciar policiais
militares abordando pessoas pelas ruas brasileiras, prática que faz
parte das atribuições destes profissionais no enfrentamento ao crime.
Mas
será que um cidadão comum pode se aproximar e filmar toda a ação? E, se
for filmado, qual deve ser a reação correta do policial, de acordo com a
lei?
Segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, a
função policial é pública e passível de constante fiscalização por parte
da sociedade, o que possibilita que qualquer pessoa assista, fotografe
ou filme patrulhas, abordagens e ocorrências. Também é permitido que o
policial faça o mesmo com qualquer cidadão.
Na cidade de São Paulo, por exemplo, é comum presenciar policiais militares filmando manifestantes durante protestos.
Em
casos de flagrante, o celular do suspeito de um crime pode ser
apreendido. No entanto, a apreensão de celulares de testemunhas, assim
como a exigência de que os donos dos aparelhos cedam a senha, divide
especialistas.
Foi
o que ocorreu com o repórter da BBC News Brasil Leandro Machado na
última sexta-feira. A caminho do trabalho, Machado notou várias viaturas
em frente a um supermercado em Pinheiros, e viu que a polícia estava
detendo uma pedinte com sua filha, que teria agredido um segurança do
local e cometido "desacato a autoridade". O repórter fotografou a cena,
mas teve de entregar o celular e a senha e acabou sendo levado para a
delegacia como "testemunha".
A maioria dos advogados ouvidos
pela reportagem, considerou abuso de autoridade a ameaça feita por um
policial ao repórter: "Ou você coloca a senha ou vai preso por
desobediência".
O policial pode levar testemunha que filma para a delegacia?
Especialistas
ouvidos pela reportagem disseram que a polícia pode levar testemunhas
da cena de um crime para a delegacia. Mas ressaltam que essa ação, no
entanto, não deve estar ligada apenas ao fato dela ter filmado a ação.
No
caso do jornalista da BBC, havia outras pessoas presentes durante a
abordagem policial, mas só ele foi levado para a delegacia contra sua
vontade. O ouvidor das polícias de São Paulo, Benedito Domingos Mariano,
entende que essa abordagem foi abusiva e que o jornalista não deveria
ter sido conduzido ao distrito policial.
"Não faz nenhum sentido
levar uma pessoa para a delegacia simplesmente por que ela filmou uma
ocorrência. Agora, se o jornalista entendeu que a abordagem foi abusiva,
a ouvidoria vai encaminhar o caso para a Corregedoria e eles vão
avaliar se houve abuso de autoridade e qual penalidade os policiais
poderão ter", afirmou Mariano.
Para o presidente do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais (IBCCRIM) - entidade não governamental que produz e
divulga conhecimento em várias áreas do direito penal -, Cristiano Avila
Maronna, a atitude dos policiais com o jornalista foi abusiva e
autoritária.

O presidente do IBCCRIM defende ainda que o crime de
desacato à autoridade - motivo que levou à detenção da mulher - deveria
ser extinto do Código Penal Brasileiro.
"Ele é uma carta branca
para a violência policial. Já foi extinto em vários países e hoje apenas
serve como instrumento de garantia da impunidade para policiais e
autoridades praticarem todo o tipo de ilegalidade e constranger o
cidadão e obrigá-lo a aceitar qualquer tipo de situação, como coações
desse tipo (pela qual passou o repórter). Já existem leis que punem
crimes contra a honra, como ofensas, por exemplo, sem a necessidade de
haver uma pena específica para autoridades", afirmou.
Segundo o
conselheiro do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe)
Ariel de Castro Alves, não há nenhuma lei que justifique a condução de
uma pessoa à delegacia contra a própria vontade. "Ações de agentes
públicos são públicas e devem respeitar a legalidade, moralidade,
publicidade e transparência. Impedir que alguém filme é abuso de
autoridade e pode ser punido com até 6 meses de detenção e demissão do
serviço público", afirmou Alves.
Segundo ele, nem mesmo na
condição de testemunha uma pessoa pode ser levada à delegacia contra a
sua vontade. "Recentemente, o STF considerou ilegal a condução
coercitiva de suspeitos. O correto é os policiais apresentam o flagrante
e depois a delegacia chamar as testemunhas para depor ou a vara
criminal pode chamar pra audiência", disse.
Para o advogado Ariel
de Castro Alves, a condução de uma pessoa à delegacia só pode ser feita
quando ela é suspeita de cometer ou participar de um crime. Pedir senha e
acessar dados pessoais de pessoas na rua é visto por ele como invasão
de privacidade.
O polícial pode pedir senha e desbloquear o celular?
Maronna
e outros advogados ouvidos pela BBC News Brasil enfatizaram que a
Constituição assegura que informações privadas - como a senha e o
conteúdo de um celular - são invioláveis, a não ser que haja ordem
judicial para ter acesso a elas.
Já o jurista Ives Gandra Martins
considera legítimo o acesso dos policiais ao celular de qualquer
testemunha, mesmo que seja necessário o desbloqueio do aparelho por meio
de uma senha pessoal e sem uma autorização prévia da Justiça.
"Eles
(policiais) não poderiam impedir que a ação fosse filmada. Mas podem
pedir acesso às imagens para saber, por exemplo, se a pessoa que gravou
estava vinculada aos fatos e verificar se ela faz parte de alguma facção
criminosa", disse.
A BBC News Brasil questionou a Secretaria da
Segurança Pública de São Paulo se foi correta a ação dos policiais de
pedir a senha, desbloquear e acessar mensagens e arquivos pessoais do
repórter.
Em nota, a pasta informou que "a corporação não
identificou nenhum erro na abordagem, mas a Corregedoria está à
disposição do repórter para o registro e apuração dos fatos".
O que o policial pode e não pode fazer na abordagem?
O
Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) criou, em
2016, uma cartilha com orientações sobre o que os policiais podem fazer
durante abordagens. Um dos pontos afirma que qualquer policial pode
revistar uma pessoa na rua, desde que ele suspeite de que ela tenha
drogas ou armas. Porém, é necessário haver ao menos um indício que
justifique essa suspeita.
De acordo com a cartilha, o policial não
pode abordar uma pessoa com base em uma opinião a respeito das roupas
que ela veste, por sua orientação sexual, pela cor da sua pele ou por
estar numa região de periferia.
Durante uma abordagem policial,
ninguém é obrigado a dizer de onde vem, para onde vai ou se tem
antecedentes criminais. A pessoa, porém, deve informar seu nome
completo, do pai, da mãe e a data de nascimento para que o policial
possa saber o suspeito é foragido da Justiça.
Todo policial durante a abordagem deve falar seu nome, apresentar a funcional e falar para a pessoa qual o motivo da abordagem. (BBCBrasil)
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