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César Oliveira |
Da janela da biblioteca onde escrevo vejo a pacata transversal da rua
que vai até a loja. Nos finais de semana ela fica mais deserta. Num
desses sábados, manhã amena, vejo um homem de média idade, bermuda,
sandália, dobrar a rua abraçado a um ramo de rosas. Ia devagar e
tranquilo, como quem sabe que está cumprindo uma missão superior:
caminhar com flores para alguém. Sim, admitamos com alguma inveja, que
alguém, naquela manhã de sábado, seria tão importante, que aquele homem
saiu para comprar flores, a pé. E tudo que almejamos nessa vida é
merecer flores na manhã de um dia qualquer.
Poderia ter declarado seus
sentimentos com palavras, mas optou pelas rosas que o poeta disse que
não fala. E caminhava pela rua soberano e sereno, como quem ainda é
capaz de delicadezas perecíveis, mas infinitas, em tempos de tanta
desvalorização, talvez, apenas para dizer que começaria tudo outra vez.
Ah, portanto, um conselho as mulheres: nunca amem um homem incapaz de
andar na rua um sábado qualquer para lhes comprar flores.
Fui acompanhando-o, e, em exercício inútil do pensamento, fiquei a
imaginar para quem seria: amada, filha, mãe, aniversariante, e torcendo
que fosse uma mulher, em seu vestidinho de esperas, pronta para um
abraço, uma concessão, uma chance de refiar os fios que nos conduzem
adiante do labirinto e salvam nossa humanidade. Porque em toda mulher em
que há amor, há a vastidão de uma pátria para nos acolher.
De repente, dois rapazes surgiram do nada, e um por cada lado,
atacaram o homem, e com o celular e a carteira, saíram correndo. As
flores não, que flores não têm valor. Por incrível que pareça ele não
largou as rosas, mas já não era o mesmo. Assustado, continuou rápido até
onde pude ver a rua. As rosas, agora, iam seguras na mão. Já não era o
mesmo homem, nem as mesmas flores, nem o mesmo encanto.
Quis gritar, mas já era tarde; quis ser solidário, dar um abraço, me
apresentar, pedir desculpas pelo tempo incerto e frágil em que amamos,
mas nem o alcançaria. Assim, ficamos, ela, que a receberia, talvez, em
pranto; e, eu, que a imaginei, sem a poesia daquele dia.
Nesse sábado fui a floricultura, um tanto desconfiado. Um homem
fazendo o que aquele fazia deveria ser intocável, mas esse é um mundo em
que já roubam até um homem com flores.
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