Não é preciso ser nenhum gênio ou analista para acreditar, com
bastante certeza, que beber litros de molho shoyu faz mal à saúde. Se
você juntar lé com cré, vai presumir isso sozinho. Outras dietas e detox
milagrosos da internet são tão absurdas quanto essa ideia – não fazem
sentido nenhum e, mesmo assim, acabam seguidas por milhares de pessoas.
No caso do shoyu, alguém teve que sofrer consequências graves para que
as pessoas se lembrassem do óbvio: detox não funciona
.O caso
O incidente com o molho de soja foi relatado em um canal do Youtube chamado Chubbyemu
– onde, desde 2015, um médico americano relata alguns dos casos mais
impressionantes que ele ou colegas próximos já atenderam (sem, é claro,
revelar a identidade do paciente).
De acordo com o doutor, uma mulher de 39 anos – chamada de “CG” –
chegou a um pronto-socorro no Distrito Médico de Illinois tendo
alucinações. Todos os indícios apontavam para uma deterioração da função
cognitiva – ou seja, um problema no cérebro.
O marido dela, Julio, estava apavorado, pois, na ambulância, CG teve
de ser ressuscitada após uma parada cardíaca. Durante a conversa com os
médicos, Julio confessou que a esposa havia consumido um litro de molho
shoyu naquele dia.
CG estava fazendo uma dieta e tinha lido na internet que tomar molho
de soja iria retirar todas as toxinas de seu corpo. A “técnica” exigia
que ela resistisse à tentação de beber água para que o detox
funcionasse. CG era, possivelmente, ainda mais vulnerável a essa tipo de
boato – ela, segundo o marido, tinha sido previamente diagnosticada com
esquizofrenia paranoide, que exigiu até uma internação hospitalar. Sua
dedicação à dieta era aparentemente intensa: a paciente perdera 11 kg em
três semanas.
O problema é que, depois de tomar shoyu aos goles, CG começou a
sentir o coração bater mais rápido. Segundo o médico, CG parou de falar
inteligivelmente, depois perdeu a consciência. Seu marido, desesperado,
chamou uma ambulância e, no caminho para o hospital, houve o episódio da
parada cardíaca. Já no pronto-socorro, os médicos afirmaram que GC
estava com hipernatremia aguda (excesso de sódio no sangue) .
A paciente foi tratada ingerindo uma solução a 5% de dextrose (água
com açúcar), o procedimento padrão em casos de hipernatremia. Mas o caso
era grave: os médicos constataram que ela possuía 5 vezes sal do sangue
do que a dose considerada letal, que é de 40 gramas.
Após o tratamento com dextrose, CG começou a melhorar, mas não
conseguia ficar consciente de forma estável. Ela só teria recuperado a
consciência, de fato, três dias depois de sua chegada ao hospital. Mas
aí apareceram as sequelas: CG não conseguia mover seus membros e mostrou
dificuldade para falar e engolir.
Diagnóstico: mielinólise pontina central, um tipo de lesão nervosa
extensa no tronco encefálico. O cérebro da paciente ainda funcionava,
mas não podia enviar normalmente impulsos nervosos ao resto de seu
corpo, o que provocou danos irreparáveis. Ela não faleceu, mas hoje vive
com disartria, disfagia e tetraplegia.
As razões químicas
Depois de ler essa tragédia, você pode estar curioso: o que
exatamente acontece no organismo quando ingerimos grandes quantidades de
sal?
Bem, para explicar isso, vamos voltar aos boatos que a paciente leu.
Eles diziam que molho de soja contém muito sal (o que é verdade), e que,
em grandes quantidades, as “toxinas” em seu corpo seriam “puxadas” pelo
sal, e ficariam grudadas nele até sua eliminação. Quimicamente, isso não faz sentido nenhum.
A água no nosso corpo está numa concentração de sal a 0.9%, o
que podemos chamar de isotônico. O molho de soja é 20% sal. Após ingerir
1 litro de shoyu, o sangue de CG virou uma solução extremamente
concentrada. Daí, a água das células, tecidos e órgãos do corpo
sairam de onde estavam e foram para o sangue, para tentar diluir essa
solução e resolver o problema. Mas, os órgãos dependem dessa água para
seu funcionamento normal – principalmente alguns mega sensíveis e
irrigados, como o cérebro. Essa osmose forçada pode ser letal para o
organismo.
O tratamento com dextrose que CG recebeu fez com que os tecidos
automaticamente absorvessem água, uma osmose reversa. Mas já era tarde
demais. O dano causado pela contração cerebral (à medida que os
vasos sanguíneos no cérebro começam a se comprimir uns contra outros
pela saída de água) geraram consequências irreversíveis.
Shoyu é sal
O molho shoyu foi inventado pelos chineses para conservar
alimentos. Uma função primordial desenvolvida por um de seus principais
componentes: o sal.
O molho de soja é preparado com grãos de soja fermentados com
trigo ou cevada na salmoura. Também é usado como condimento, para dar um
sabor especial a uma enorme variedade de pratos, devido ao seu sabor
forte. Mas seu consumo deve ser moderado – e, em alguns casos, mantido
aos menores níveis possíveis, principalmente para pessoas com problemas
de pressão alta.
Beber molho shoyu puro não tira toxinas nem emagrece – mas pode, sim, matar. CG teve sorte. Em 2011, o periódico Journal of Forensic and Legal Medicine noticiou o caso de uma japonesa de 55 anos que se suicidou bebendo uma garrafa de molho de shoyu.
Por fim, vale lembrar que seu corpo não precisa de ajuda
externa para eliminar toxinas. Ele é especialista nisso. E qualquer
tentativa de “forçar” esse processo tem dois problemas: no mínimo, ela
só não faz sentido algum. E, no máximo, pode levar você a óbito. (Super Interessante)
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