Monitoramento em barcos de pesca
para identificação visual das manchas de óleo no mar. Se a mancha
avistada for pequena, pode ser pescada com um puçá. No caso das médias,
siripoias. E, para as mais volumosas e pesadas, deve-se usar um tonel
perfurado, manobrado com o guincho do barco.
Não deu pra capturar
o óleo na água? Então, ele pode ser conduzido — usando barcos a remo —
até praias de sacrifício com redes de pesca de malha bem fina,
posicionadas na diagonal em relação à faixa de areia. Informação
importante: nunca conduzir o óleo contra a corrente.
Todas estas indicações estão no manual "Como Pescar Petróleo",
desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e
da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) em parceria com
pescadores artesanais baianos, já com o desastre do derramamento de óleo
no litoral nordestino em curso.
O documento foi formatado na
sexta-feira (01/11), mas ainda está passível de atualização, pois novos
métodos podem ser agregados.
Nos últimos dias, o manual vem sendo
compartilhado com comunidades pesqueiras de todos os estados do
Nordeste, pois o óleo segue avançando e, mais ainda, volta e meia
ressurge em localidades já atingidas anteriormente.
No dia 28 de
outubro, antes mesmo de o documento ficar pronto, pescadores da Reserva
Extrativista (Resex) de Canavieiras, no sul da Bahia, utilizaram tais
métodos, que já estavam sendo testados por eles, e conseguiram capturar
no mar uma mancha de óleo de aproximadamente 80 quilos, como a BBC News
Brasil mostrou em reportagem.
"Esse trabalho é um esforço de dar
uma orientação técnica a tempo de ser usada, pois o óleo não para de
chegar e ninguém sabe ao certo quanto ainda vem. Mas as principais
indicações precisavam ser experimentadas antes de recomendadas", explica
Miguel Accioly, professor do Instituto de Biologia da Universidade
Federal da Bahia (Ufba), que organizou o manual junto com o professor
George Olavo, da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs).
"Não
tivemos nem muito apoio nem tempo adequados. Então, a maioria das
experimentações contou com recursos das comunidades ou pequenos apoios. A
documentação e a sistematização não têm a qualidade ideal, mas é melhor
uma ação mediana no tempo certo do que perder o tempo da ação", diz.
Métodos originais do Nordeste

No monitoramento, os
barcos devem ficar ancorados e alinhados de forma transversal à
correnteza, com uma distância de aproximadamente 100 metros entre eles.
Assim,
os tripulantes economizam combustível e ficam, em cada embarcação,
responsáveis por um raio de 50 metros para monitorar. Se algo for
avistado, pode-se usar puçás ou siripoias para capturar o petróleo.
Durante
os testes, chegou-se à conclusão também que a condução do óleo até as
praias de sacrifício deve ser feito sempre por embarcações a remo.
"Os
motores de rabeta usados atualmente não dão manobrabilidade adequada à
operação. Percebemos, com os pescadores, alto risco de acidentes. Então,
eles mesmos solucionaram, mostrando ser melhor com remos", conta
Accioly.
Também existem diferenças entre a atuação em mar aberto,
barras de rio grandes e profundas, barras menores, áreas estreitas de
estuário e margens de manguezais.
Neste último caso, por exemplo, o
monitoramento deve ser feito com pequenos barcos e o mais indicado é
que sejam erguidas cortinas de palha, galhos de casuarinas ou outras
espécies abundantes na região. Também é possível capturar o óleo com
telas do tipo sombrite ou de construção civil.

Nas margens, as proteções devem ser montadas de
forma a criar uma espécie de funil que conduza o óleo para locais de
sacrifício. Para manter a estabilidade das armadilhas, o manual prevê o
uso de âncoras Danforth ou Bruce (que fixam bem no sedimento de fundo)
ou grandes poitas (pesados blocos de concreto).
"É
fundamental haver preparação de todos os envolvidos, planejando a gestão
da crise e ensaiando a ação. Ensaio e treinamento das equipes se
mostraram essenciais para agilizar a resposta, mas também para evitar
acidentes e a exposição indevida ao contaminante", indica o manual.
"Diagnósticos
das condições locais de correntezas e ventos são essenciais para deixar
os envolvidos seguros e sem discordância com as estratégias da ação",
conclui o documento.
Pescadores unidos
Apenas
no perímetro da Resex de Canavieiras, desde o dia 25 de outubro, cerca
de 20 toneladas de óleo foram coletadas com o uso das táticas descritas
no manual e na limpeza das praias.
Nas áreas de manguezais,
primordiais para a manutenção do equilíbrio dos ecossistemas costeiros e
marinhos, o óleo até penetrou, mas não em grande volume, diferentemente
de outras regiões já atingidas.
"Conseguimos manter os mangues
praticamente 100% limpos com essas barreiras e com o monitoramento",
afirma o pescador Carlos Alberto Pinto, membro da Associação Mãe da
Resex de Canavieiras.
"Temos nove barras de rio que entram direto para os manguezais. Nossa vida depende disso aqui. Sem o mangue não somos nada".
Num ponto um pouco mais ao sul da Bahia, na cidade
de Caravelas, as dicas do manual já foram utilizadas por pescadores
locais, que também tem conseguido êxito na captura de petróleo no mar e,
com uma barreira montada na barra de um dos rios da região, evitam que
as pelotas de óleo cru alcancem os estuários da Reserva Extrativista de
Cassurubá.
"A gente já vinha se organizando, trocando mensagens
com outras comunidades onde o óleo chegou antes, pra ver o que
funcionava e o que não funcionava nessas ações. Na nossa divisão de
tarefas, eu sou responsável pela contenção, então quando recebi esse
manual foi muito bom, porque tá tudo explicado, os materiais que tem que
usar e o que cada um deve fazer", diz Alan Machado, presidente da
Colônia de Pescadores Z-25, em Caravelas.
No domingo (3/11), a
força da correnteza na boca do rio fez com que parte da contenção se
rompesse. Se os pescadores fossem esperar a baixa da maré para fazer o
reparo, uma grande quantidade de óleo iria direto para os manguezais,
que ocupam mais de 10 mil hectares da região.
Sabedores do risco,
eles encararam a correnteza e a maré alta e conseguiram reerguer a
barreira, terminando a manutenção já pela noite. "Foi uma corrida contra
o tempo. Uma corrida pelo manguezal e por nós mesmos, porque nossa
região vive do extrativismo. Se isso gruda nas raízes do mangue, não sai
mais."
Para Machado, iniciativas independentes, como a dos
pescadores, ganham cada vez mais força porque falta uma ação efetiva do
poder público.
"Parece até que nós que jogamos o óleo no mar, por
isso temos que correr atrás de limpar. Parece que só a pesca está
prejudicada. Mas isso atinge muitas pessoas. É pescador, dono de
pousada, dono de barraca, é muita gente. E não vemos nenhuma solução",
afirma.
Abrolhos
Localizada no extremo sul baiano, Caravelas é o
principal porto de saída para o Arquipélago de Abrolhos, onde o óleo
chegou no sábado (2/11). Por isso, Alan tem recebido frequentes pedidos
de apoio da Marinha para que os pescadores se desloquem mar adentro e
auxiliem no combate às manchas no entorno das ilhas, distantes 70
quilômetros do continente.
"Estamos agora com quatro embarcações
da colônia lá na operação em Abrolhos. A Marinha monitora e quando
detecta a mancha, aciona os pescadores. E aí a gente tem usado os puçás
pra pescar o óleo, bem como está no manual", disse Alan nesta
terça-feira.
A Região dos Abrolhos, que engloba o arquipélago e o
mais extenso conjunto de corais do Brasil, resguarda a maior
biodiversidade marinha no Atlântico Sul, com mais de 1,3 mil espécies
registradas entre fauna e flora. Por isso mesmo, o Parque Nacional
Marinho de Abrolhos, criado em 1983, foi a primeira unidade de
conservação marinha do país.
Desde que as manchas começaram a se
aproximar do Parque, a Marinha mantém uma esquadra de 10 navios na
região, o que não impediu que pelotas de petróleo chegassem à Ilha de
Santa Bárbara.
Questionado sobre a atuação dos pescadores após
pedidos de auxílio, o Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA),
liderado pela Marinha, não respondeu à BBC News Brasil.
As
investigações sobre o crime de derramamento de petróleo, também
lideradas pela Marinha, apontam como principal suspeito o navio grego
Bouboulina. A empresa Delta Tankers, proprietária da embarcação, nega o
crime a afirma que ainda não foi notificada pelas autoridades
brasileiras.
De acordo com a atualização feita na segunda-feira
(4/11) pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama), 343 localidades de 110 municípios já foram
atingidas pelo óleo.
Neste registro não consta, entretanto,
Mucuri, a última cidade litorânea da Bahia antes da divisa com o
Espírito Santo. Ali, segundo Alan Machado, colegas pescadores já
encontraram pequenas pelotas.
O próprio Alan afirma também que,
pelo comportamento dos ventos, o petróleo já está na costa capixaba,
mesmo que ainda não tendo aparecido em nenhuma praia. (BBC News Brasil)
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