domingo, 2 de maio de 2021

Dois bicudos não se beijam

 Bicudo, assim era conhecido e não podia reclamar. Aliás, se em vez de Albertino Pedreira de Jesus, seu nome fosse Bicudo Pedreira de Jesus estaria sendo feita justiça  à sua principal “indumentária”. Boa altura, forte, moreno claro, Albertino era uma rapaz de bem. Era trabalhador, batia bem na bola e no violão, e tinha muitos amigos. Apesar do apelido  raramente se chateava e isso fazia com que ele fosse muito estimado no bairro onde morava.

Mas na vida de cada um de nós há sempre algo que atrapalha e no caso dele era exatamente o bico. No cotidiano até que não, já que ultrapassando o tempo de colegial, onde as  brincadeiras - hoje chamadas de bullying -, são  mais comuns e tudo corria bem. Petrônio, Luiz Cintura, Geraldo Mãezinha, Sidério, Pedro de Ichu, a turma da empresa onde trabalhava e outros amigos tinha-lhe amizade e respeito, mas o problema era de ordem sentimental.

Dezenove anos, 20 anos, 25 anos. O tempo passando e nada de Bicudo ter um caso sério. Tinha medo de “partir” para uma garota e ser desprezado, devido o avantajado bico que ele agora tentava disfarçar com um bigode, que lhe dava um ar sisudo e ocultava um pouco daquela proeminência. Dona Gilza, uma nova moradora do bairro, recém-chegada, trazia  além de moveis, malas e bugigangas, duas filhas morenas e bonitas, só que que uma delas, a Eloisa, dona de pernas torneadas ostentava uma  bela traseira e, na dianteira, o bonito rosto com “chamativos” lábios bicudos!

A rapaziada atenta logo percebeu e Bicudo também. Já caminhando para os 26 anos e preocupado com o futuro Albertino jogou a vergonha num copo de cerveja e encarou a moreninha. Eloisa não fugiu da parada. Ela estava entrando na faixa de 23 anos e a história rendeu. Dona Gilza, que era viúva, não viu nada de estranho “melhor ter um bico e ser honesto e trabalhador”, dizia em defesa do genro que entusiasmado, alugou casa, comprou moveis e marcou casamento. Dia aprazado a Capela de Santa Genuína recebeu o bairro inteiro. O padre Bião, satisfeito, chamou o casal para início da solenidade comum nessas ocasiões. Tudo corria bem até que o bondoso pároco, com sua voz de barítono, fê-la ecoar no templo: “Se alguém tiver algo a dizer, diga agora ou cale-se para sempre”.

        “Pare, padre, eu tenho!” e diante da surpresa geral Petrônio, um amigo dileto do nubente, ergueu-se e reiterou: “Pare padre, eu protesto em nome da minha grande amizade com o noivo. Padre ele é um amigo de ouro, mas o senhor já olhou o tamanho do bico dele? E já olhou também o bico da noiva? Eu tenho medo do que poderá acontecer. O senhor já pensou nos bicudinhos que irão nascer?”. Diante do silencio sepulcral dos presentes e do casal, sem saber como proceder, diante de fato tão inusitado nos seus mais de 40 anos de sacerdócio, o padre Bião, depois de uma pausa demorada assinalou: “É meus filhos, talvez seja melhor uma reflexão!” e parou o casamento. Com isso os nubentes não puderam se beijar. Aliás, como bem diz o adágio “dois bicudos não se beijam!”.

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