sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Crônica


O trote que deu certo

Há “trotes” e “trotes”. Um trote sadio, bem bolado, que não faz mal a ninguém, diverte até quem caiu nele. Foi o que aconteceu certa vez comigo, que ao passar um trote para um amigo, acabei por beneficiá-lo. Ele havia completado 18 anos, e vivia a expectativa de ter sua primeira carteira de motorista. Ele estava preparado, passou no exame de rua, exame médico, mas perdeu na prova escrita.
Chateado, ele me contou que tudo ia muito bem, até que um indivíduo de caráter suspeito, que andava rondando a Ciretran, dizendo-se íntimo de diretores e funcionários, e “facilitador” dos tramites legais, se aproximou dele e, cheio de gestos largos e demonstrando uma intimidade que não tinha, disse que ele ficasse tranqüilo que ele iria “ajeitar” as coisas. O chefe da banca examinadora que andava por perto, ouviu e não gostou.
Segundo Del (esse o nome do meu amigo), o chefe, na hora da prova escrita, ficou o tempo todo ao lado dele, dando “marcação”, e isso o deixou nervoso. O resultado é que ele se atrapalhou, errou algumas respostas, inverteu outras e acabou por ser reprovado, tendo um novo teste marcado pra dali a um mês. O pior, é que se aproximava a Micareta (o maior Carnaval do interior da Bahia), e ele queria muito já ter a sua carteira de motorista, pra poder circular sem medo pelas ruas da cidade.
Eu ouvi tudo, demonstrei minha solidariedade e, saindo dali, fui pra casa de um outro amigo, ao qual relatei o fato. Foi aí que tivemos a idéia de passar o trote. Liguei pra Del e, mudando a voz, disse pra ele que quem estava falando era o capitão Jesus, chefe da Ciretran, e que desejava lhe dar nova oportunidade naquele mesmo dia. Pedi que ele fosse à Ciretran à tarde, e que procurasse “Dona Graça” (primeiro nome que me veio à cabeça), que ela lhe instruiria sobre os procedimentos.
Soltei a “bomba” e fiquei ali, rindo dos resultados, imaginando a confusão que ele ia fazer na Ciretran, usando o nome do Capitão Jesus, e as pessoas sem saber de nada. E se não existisse nenhuma dona Graça por lá?
No final da tarde, estava eu novamente na casa do amigo, de onde havia passado o trote, quando chegou uma prima de Del, dizendo que ele havia conseguido tirar a carteira de motorista. E me contou toda a história que eu havia inventado. Que o capitão tinha ligado pra ele, que mandou ele procurar Dona Graça, e todos aqueles babados.
Eu pensei que ela, e ele, tendo descoberto o trote, estavam querendo virar o jogo e me sacanear. Mas ela falava com tanta convicção, que eu resolvi investigar e liguei pra Del. Ele me repetiu toda a história. Disse que quando chegou à Ciretran acompanhado do pai, procurou Dona Graça. Havia três na Ciretran. Quando ele disse do que se tratava, conduziram-no à Dona Graça que era secretária do Capitão Jesus que, inclusive, havia viajado pela manhã. A Dona Graça estranhou o fato, mas não acreditou que Del estivesse inventando e, pelo sim, pelo não, levou ele até o chefe da Banca Examinadora (o mesmo da manhã), e disse que o Capitão havia autorizado novo exame para o rapaz.
O chefe, diante disso, botou as barbas de molho (sabe-se lá quem é este fedelho?), e tratou de fazer a “média”, pedindo desculpas pelo que aconteceu pela manhã, explicando que não gostava do sujeito que chegou lá com ele, dizendo que iria ajeitar tudo, etc e tal. E assim dizendo, foi tratando de providenciar novo exame pra Del, e até o ajudou em algumas respostas.
Del passou, com louvor, e recebeu a carteira no final da tarde. Antes de deixar a Ciretran, ele e o pai ainda passaram pela sala do Capitão Jesus (que já havia chegado da viagem) e, da porta mesmo, sem entrar, agradeceram. O capitão, sem saber do que se tratava, mas fazendo a política de boas relações, respondeu, delicadamente, que não foi nada demais, que contasse sempre com ele, e todos esses babados.
E foi assim que Del pode dirigir seu carro na Micareta, passeando com suas gatas e cheio de moral com junto à Ciretran.

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