sábado, 14 de março de 2009

Pelas estradas da vida


Eu tenho dois irmãos que são carreteiros e viajam por todo este Brasilsão afora, como diriam os ufanistas, “transportando o progresso da nação”. Já viajei diversas vezes com eles e, embora não seja motorista profissional, também já dirigi muito por esta Bahia. Por isso, também tenho minhas estórias de estrada para contar. Tristes, alegres, curiosas, as estórias das estradas sempre chamam a atenção pelas suas peculiaridades. Mas minhas estórias de estradas eu vou contar em outra oportunidade. Por enquanto, vou contar estórias que outros me contaram.
Um amigo meu era motorista de uma empresa de ônibus que faz rotas interestaduais. Numa destas viagens ele dirigia um ônibus de turistas. Era um daqueles ônibus leito, grandes, com ar refrigerado, TV e tudo mais. Ele havia feito uma parada para o almoço no ponto de apoio e retomou a viajem pouco depois. Viajava ele num retão nas proximidades do Crato, no Ceará, num sol de 40 graus. Dentro do ônibus, os turistas cochilavam, jiboiando o almoço, ao frescor do ar refrigerado.
De longe, ele viu um jumento morto na beira da estrada, com a barriga muito inchada e alguns urubus em volta. Quando ele se aproximou os urubus voaram pra longe, mas quando ele já ia passando pelo bicho morto, saiu de dentro do jumento um urubu todo melecado, que num vôo pesado veio se chocar diretamente com a frente do ônibus que era toda de vidro. Com o impacto o vidro se quebrou e o urubu, ainda vivo, melecado e ensangüentado, foi parar no meio dos turistas, sujando tudo.
Quando a fedentina subiu, os turistas que tinham acabado de almoçar, passaram mal e começaram a vomitar uns sobre os outros. O quadro era dantesco. Tamanha calamidade ele nunca tinha visto. Teve que voltar ao ponto de apoio, trocar de ônibus e esperar que os turistas tomassem banho, lavassem e trocassem suas roupas. Alguns tiveram que ser medicados.
Mas algumas estórias não são tão calamitosas. Ainda rapaz, eu viajei várias vezes sobra a carroceria de uma caminhonete F-400, de propriedade de um tio de meu amigo Fael, para passar fins de semana na fazenda Baixa Fria, no município de Santo Estevão. A gente ia de carona, sem pagar nada, mas pagava a passagem em chicotadas de mato, pois o motorista fazia questão de passar raspando pelos arbustos da beira da estrada, cujos galhos chicoteavam quem ia sentado na borda da carroceria.
Seu Gerson Borges, pai do meu amigo Outran Borges, tinha uma Kombi que ele usava para ir para a fazenda. Pelo caminho, ele costumava dar carona a quem encontrava, sem cobrar nada. Porém, as pessoas se escondiam, porque sabiam que a qualquer momento teriam que empurrar o carro que, invariavelmente, caprichosamente, apagava o motor. E dava a maior trabalheira para voltar a funcionar.
Mas uma da melhores estórias da estrada que eu conheço, foi um irmão meu quem contou. Segundo ele, havia o velho camelô que possuía uma
F-4000 que ele usava para ir “fazer feira” nas cidades da sua região. Ele tinha o maior ciúme do carro, claro, pois era a sua ferramenta de trabalho, o seu “ganha pão”. Ninguém, nem seus filhos, pegavam no carro.
Ele tinha um ajudante, antigo e fiel escudeiro, que o acompanhava há muitos anos. Mas o sujeito era “tato”. Tinha, como se diz popularmente, “a língua pegada”. Por exemplo: chofer, para ele era “toté”. E lá um belo dia, o velho adoeceu, e não estava em condições de fazer uma importante feira da região.
Impossibilitado de dirigir, até mesmo de sair de casa, ele confiou ao filho mais velho a “missão” de ir com o ajudante fazer a feira. Pela manhã, não sem antes fazer mil recomendações ao filho e ao ajudante, permitiu que os dois fizessem a viagem. Porém, o rapaz, sem muita experiência, seguia viagem numa velocidade prudente. Foi aí que o ajudante entrou em cena.
Dizia ele: “Ô, toté, assim a gente vai perdê a fêra. Aperta o pé”. O rapaz começou a apertar o acelerador, e começou a se empolgar com os estímulos do ajudante: “É isso aí, toté! Bota pra descer toté! Isso sim, é que é toté”! Empolgado, o rapaz foi aumentando a velocidade, até que numa curva mais sinuosa, perdeu o controle do carro e foi parar dentro de um brejo, ficando com o carro completamente atolado.
Ainda assustado, olhou para o ajudante, buscando apoio moral. Mas o desnaturado, sem o menor remorso, olhou pra ele e disparou: “Tu é lá toté, fi da pé”!

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