*Tempo sem lamentos
*
Ao completar oitenta anos em 2021, senti-me como se houvera sido o navegador luso Bartolomeu Dias quando, em 1488, contornou o Cabo das Tormentas: não imaginar quanto o aguardava após completar o feito épico.
Após
a temerosa volta ao sul do continente africano, as violentas tempestades -
então supostas - ao se fincarem pés na região ignota, tinham similar
significado ao das imprevisíveis consequências da pandemia presente mundo
afora.
Em tal assincronia, emersos ou imersos, navegamos: duas concomitantes viagens em distinto tempo-espaço. Devo anotar, por oportuno, ter sido a experiência independente das circunstâncias envolventes que me traz agora até aqui.
Verdade, ao retroceder eu, no oceano das idades, haver encontrado mais calmarias do que tempestades.
Homem
de sorte, com outros convivi e deram-me norte.
São vulgos-ventos sem nomes; em sonho, simples pronomes.
Um
deles, suíço, após a desdita da viuvez se fez jesuíta. Foi meu mestre em
Teologia Dogmática. Tal ente, amadurecido e crente, mais cuidava da vida chã
dos casais que da existência de algo mais. Dizia ele: “O segredo do casamento, reside nas pequenas atenções”.
Desnecessário, penso, descer a detalhes.
É indubitável: dúvidas me assaltam. Mormente quando são desencontrados os comportamentos daqueles que devem balizar a coletividade.
Navegar é preciso, alegam alguns, atracar é necessário, alegam outros. Ante tal divergência acobertadora de interesses vários, relações de amizade têm sido postas em xeque.
Passei a duvidar, se as árvores por mim plantadas serão bastante para sombrear braças do que amo e chamo chão. Isto pela razão absurda e fatídica de vivermos tempos quando nos cemitérios plantamos mais homens do que flores.
Pétalas de esperança minha foram-se ao léu: uma espécie de pagamento pelo privilégio de muito viver.
Razão, tem Rachel de Queiroz quando, em uma de suas crônicas, anota: “A vida é uma coisa que tem que passar, uma obrigação que é preciso dar conta. Uma dívida que vai se pagando todos os meses, todos os dias. Parece loucura lamentar o tempo (passado), quando se devia muito mais”.
Deixo,
portanto, de lamentar o tempo.
Lastimo
somente, é não estar com os que me alentam e prestigiam com suas leituras: para abraçá-los e dizer-lhes que sem isto, a
esta altura da vida, não teria valido a pena tê-la até aqui vivido.
Ratifico, dato e assino.
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