quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Amor crônico

De cronista, médico, louco, todo mundo tem um pouco, afinal, desde que botaram algum sentido na linguagem além das onomatopeias guturais- querendo dizer comida, reprodução e o bicho vai pegar- que nasceu a narrativa cotidiana. Aquelas pinturas rupestres nas cavernas não passam do antepassado da crônica- só não era maior por falta de tinta, papel e Word! Eu mesmo, aqui na minha caverna continuo falando da mesma coisa- comida, sexo, o bicho está pegando.

Como se pode deduzir a crônica tem uma ancestralidade histórica antropologicamente referenciada para ninguém ficar por aí tentando menosprezar seu papel ou enquadrá-la em definições momentâneas, como se ela não fosse atemporal.
A crônica tem muitas comparações. No futebol era seria um meia-armador. Defende quando precisa, bota ritmo e arte no jogo e, se necessário, invade a área para definir o gol. Mais do que extensão a crônica tem estratégias. E a principal é a de conversar universalmente com todo mundo, pois todo mundo é dela e ela é de todo mundo. Minha também. Talvez por isso tenhamos essa relação estável, afinal, não sei ser mais que fragmentos, antes do todo.
O romance exige circunspecção; a poesia exige nirvana. A crônica exige vida diária. Aliás, ela não exige, entrega. Desse ponto de vista ela é mais democrática, pautada na acessibilidade. A crônica é solidária com a banalidade das minúcias e a alteridade do majestoso. Deve ser tomada como exemplo universal de humanismo pois tudo para ela é significativo. Desprovida de preconceitos de qualquer tipo e de um tipo qualquer. Além disso, garante o pão e a terapia de muita gente.
Mas é tolice tentar definir a crônica como se ela tivesse fronteiras. Minha crônica minhas regras. O limite do tamanho bota rigor no texto, desidrata a verborreia, refina a criação. A crônica é humana, demasiadamente humana, afinal o bloco que botamos na rua é universal.
Crônica é inventário de costumes, confessionário onde nos ajoelhamos. Crônica é espelho até quando mente. Portanto, bota assento na sua feitoria quem tem coragem de botar a boca- e a cara- na rua.
A crônica é pau para toda obra. Protesta com os indignados; ama com os líricos; educa com os cultos; diverte com os bem humorados; seduz com todos. É aquele texto que ninguém tem pudor de compartilhar por exigir tempo demais do outro. Ela vem como quem espalha sementinhas de insurreição no tédio alheio.
A crônica é tudo que se recusa a morrer. Por isso escrevo.

𝗖𝗲𝘀𝗮𝗿 𝗢𝗹𝗶𝘃𝗲𝗶𝗿𝗮 - Tabaréu, feirense, médico, professor, apaixonado por palavras, pessoas e a vida. Sou de mato, vinhos, cafés, pratos, prosas - falada e escrita. Essa tem sido minha receita.

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