domingo, 6 de outubro de 2024

 

Samba-Vida

                                                                                         

       “Baiana que entra na roda e só fica parada, não canta, não samba, não bole nem nada, não sabe deixar a mocidade louca” ¹ Mesmo assim, sambar na minha terra, massageia o ego, deleita as horas, sacode a poeira, propõe desafios, rememora vivências, releva esquecimentos, aplaca rancores, desanuvia semblantes, assanha corpos, apazigua espíritos, reacende o passado, inventa o futuro, alegra a vida. Afinal, “é melhor ser alegre que ser triste; alegria é a melhor coisa que existe, mas para um samba ter beleza é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um samba não” ².

      Vida que para se socorrer da tristeza, sem coloridos confetes de incentivo e elogio, adesivos à pele; sem enlaces de paradisíaca serpentina a tolher nossos devaneios; sem inebriante e provocador aroma de lança-perfume dos carnavais de outrora fica chã, sem graça.

     O prazer do viver está em sermos espectadores e, ao mesmo tempo, ativos participantes da escola de samba-vida, durante o desfile do existir. Cada qual com seus enredos e suas fantasias. “Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor” ³

        Vem aí, o abre-alas da escola!

      A comissão de frente, passos ágeis, calculados, pede licença para anunciar a entrada na pista do sambódromo. “Brasil, meu Basil brasileiro, meu mulato inzoneiro vou cantar-te nos meus versos”. Afirmações.

       A passista e o mestre-sala, estandarte em rodopios, buliçosos volteios e requebros, no sempiterno embate de melhor executar o sempre tido por bem feito. E no elã dos requebros, o mestre sala, mirando a porta-bandeira, pensa consigo mesmo: “Eu não sou ninguém de ir, em conversa de esquecer a tristeza de um amor que passou, não, eu só vou se for pra ver uma estrela amanhecer na manhã de um novo amor” ⁵. Desafios.

        Os carros alegóricos, a cada ano, mais. Mais isso, mais aquilo. Enormes, monumentais, extravagantes, trazem cascatas, plumas, nudezas. Dúvidas? Certezas! “Meu coração não sei porquê, bate feliz quando te vê”Provocações.

     A ala das baianas com sua ancestral ginga, indispensável e renovada expressão da cultura afrodescendente, perpetuada via amores e sabores. Recordações.

    Depois, a harmonia do samba marcante e compassada - ronco da cuíca, rufar dos tambores, repicar dos tamborins - da bateria a qual, com as tradicionais “paradinhas”, anima a plateia e instiga carnavalescos orgasmos. “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça é ela, menina, que vem e que passa num doce balanço a caminho do mar” ⁷. Interações.

       Mais de mil almas, muito mais, travestidas e irmanadas; destaques endeusados; heróis da farsa burlesca. “Se você jurar que me tem amor, eu posso me regenerar” ⁸. Ilusões.

        Afirmações. Desafios. Provocações.

       Recordações. Interações. Ilusões.

      Retalhos da colorida colcha, estirada na cama onde brotam sonhos e sambas em nossas, bem ou mal, dormidas noites.

        Que bom! Você veio até aqui!

        Chegamos à Praça da Apoteose, o grande final.

        Seu lugar-vip é cativo. Sejam mágicos os acordes do presente samba-vida e, assim, persistam em seu imaginário!

Volte sempre, na certeza que “o samba da minha terra deixa gente mole, quando se canta, todo mundo bole; quem não gosta do samba, bom sujeito não é; é ruim da cabeça ou doente do pé.” ⁹,

Hugo Adão de Bittencourt Carvalho (1941), economista, cronista, é autor do livro virtual

Bahia – Terra de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças Magicas e Palavras ao Vento,

participa do Colares – Coletivo Literário Arte de Escrever. Vive em São Gonçalo dos Campos - BA
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1.    Falsa Baiana - Geraldo Pereira (1918-1955)

2.    Samba da Bênção – Vinicius de Moraes (1913-1980)

3.    A Flor e o Espinho - Nelson Cavaquinho (1911-1986)

4.    Aquarela do Brasil - Ary Barroso (1903-1964)

5.    O Canto de Ossanha - Baden Powell (1937-2000)

6.    Carinhoso - Pixinguinha (1897-1973)

7.    Garota de Ipanema - Antônio Carlos Jobim (1927-1994)

8.    Se você jurar - Ismael Silva (1905-1978)

9.    Samba da minha terra - Dorival Caymmi (1914-2008)


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