Samba-Vida
“Baiana
que entra na roda e só fica parada, não canta, não samba, não bole nem nada,
não sabe deixar a mocidade louca” ¹ Mesmo assim, sambar na minha
terra, massageia o ego, deleita as horas, sacode a poeira, propõe desafios, rememora
vivências, releva esquecimentos, aplaca rancores, desanuvia semblantes, assanha
corpos, apazigua espíritos, reacende o passado, inventa o futuro, alegra a
vida. Afinal, “é melhor ser alegre que ser triste; alegria é a melhor coisa
que existe, mas para um samba ter beleza é preciso um bocado de tristeza, senão
não se faz um samba não” ².
Vida que para se socorrer da tristeza, sem coloridos confetes de incentivo e elogio, adesivos à pele; sem enlaces de paradisíaca serpentina a tolher nossos devaneios; sem inebriante e provocador aroma de lança-perfume dos carnavais de outrora fica chã, sem graça.
O prazer do viver está em sermos espectadores e, ao mesmo tempo, ativos participantes da escola de samba-vida, durante o desfile do existir. Cada qual com seus enredos e suas fantasias. “Tire o seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor” ³
Vem aí, o abre-alas da escola!
A comissão de frente, passos
ágeis, calculados, pede licença para anunciar a entrada na pista do sambódromo.
“Brasil, meu Basil brasileiro, meu mulato inzoneiro vou cantar-te nos meus
versos” ⁴.
Afirmações.
A passista e o mestre-sala, estandarte em rodopios,
buliçosos volteios e requebros, no sempiterno embate de melhor executar o
sempre tido por bem feito. E no elã dos requebros, o mestre sala, mirando a
porta-bandeira, pensa consigo mesmo: “Eu não sou ninguém de ir, em conversa
de esquecer a tristeza de um amor que passou, não, eu só vou se for pra ver uma
estrela amanhecer na manhã de um novo amor” ⁵. Desafios.
Os carros alegóricos, a cada ano, mais. Mais isso,
mais aquilo. Enormes, monumentais, extravagantes, trazem cascatas, plumas,
nudezas. Dúvidas? Certezas! “Meu coração não sei porquê, bate feliz quando
te vê” ⁶ Provocações.
A ala das baianas com sua
ancestral ginga, indispensável e renovada expressão da cultura afrodescendente,
perpetuada via amores e sabores. Recordações.
Depois, a harmonia do samba marcante e compassada -
ronco da cuíca, rufar dos tambores, repicar dos tamborins - da bateria a qual,
com as tradicionais “paradinhas”, anima a plateia e instiga carnavalescos
orgasmos. “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça é ela, menina, que
vem e que passa num doce balanço a caminho do mar”
⁷. Interações.
Mais de mil almas, muito mais, travestidas e irmanadas; destaques endeusados; heróis da farsa burlesca. “Se você jurar que me tem amor, eu posso me regenerar” ⁸. Ilusões.
Afirmações. Desafios. Provocações.
Recordações. Interações. Ilusões.
Retalhos da colorida colcha, estirada na cama onde brotam sonhos e sambas em nossas, bem ou mal, dormidas noites.
Que bom! Você veio até aqui!
Chegamos à Praça da Apoteose, o grande final.
Seu lugar-vip é cativo. Sejam mágicos os acordes do presente samba-vida e, assim, persistam em seu imaginário!
Volte
sempre, na certeza que “o samba da minha terra deixa gente mole, quando se
canta, todo mundo bole; quem não gosta do samba, bom sujeito não é; é ruim da
cabeça ou doente do pé.” ⁹,
Hugo Adão de Bittencourt
Carvalho (1941),
economista, cronista, é autor do livro virtual
Bahia – Terra de Todos os
Charutos, das
crônicas Fumaças Magicas e Palavras ao Vento,
participa do Colares – Coletivo Literário Arte de Escrever. Vive em São Gonçalo
dos Campos - BA
[email protected]
1.
Falsa
Baiana - Geraldo Pereira (1918-1955)
2.
Samba
da Bênção – Vinicius de Moraes (1913-1980)
3.
A
Flor e o Espinho - Nelson Cavaquinho (1911-1986)
4.
Aquarela
do Brasil - Ary Barroso (1903-1964)
5.
O
Canto de Ossanha - Baden Powell (1937-2000)
6.
Carinhoso
- Pixinguinha (1897-1973)
7.
Garota
de Ipanema - Antônio Carlos Jobim (1927-1994)
8.
Se
você jurar - Ismael Silva (1905-1978)
9.
Samba
da minha terra - Dorival Caymmi (1914-2008)
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