sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Eu também vou protestar

         Ouço dizer que o governo do Estado pretende fazer um túnel sob a avenida do contorno, como alternativa de acesso ao conjunto viveiros. E aí fico seriamente tentado a mover uma ação popular contra tal obra. Afinal, sou feirense, amo a minha cidade, conheço bem aquela área, e sei que ali estão exemplares ímpares da nossa fauna e flora catingueira, que serão extintos ou prejudicados pela obra. São arbustos centenários e pequenos animais que só são encontrados naquele ecossistema. Caçutingas, juremas, velaminhos, mandacarus, cabeças de frade, milome, pau de rato, cujas folhas e frutos são largamente utilizados pela indústria etílica da “folha podre”, com larga aceitação entre a população nativa. É cultural. Existe até literatura de cordel tratando do tema, como o livro do poeta Franklin Machado (Maxado Nordestino) A farmácia de folhas do Dr. Cumpadinho, alusivo ao boteco quase centenário, situado no Beco do Mocó, especializado em infusões de ervas e folhas na cachaça.
         Há ainda os raríssimos exemplares da fauna, como jiboias, jararacas, teiús, tatus, bengos, calangos e catendes, ratos, que fazem dali o seu habitat natural. Não, não, mil vezes não. Aquele ecossistema é intocável. Aproveito desde já para convocar aqui os cidadãos, os artistas, os intelectuais, sociólogos, ambientalistas, todos aqueles que por cerca de dois meses embargaram as obras do túnel que está sendo construído no cruzamento das avenidas Getúlio Vargas e Maria Quitéria, de onde foram transplantadas algumas árvores em prol do progresso da cidade, a juntarem-se a mim nesta luta e juntos vamos acampar no canteiro de obras (assim que ele for montado) e não permitir que se faça tal agressão à flora e à fauna da nossa cidade. A Folha Podre é nossa. É nosso direito líquido e certo.
         Aliás, ao longo da história já perdemos muita coisa por causa da nossa acomodação. A Lagoa do Prato Raso, situada à margem leste da avenida José Falcão, era um belo eco sistema, e foi invadido pela população para construir moradias, e hoje não é nem bairro nem lagoa, mas, apenas uma invasão consentida pelas “otoridades” situada à beira de um poço formado por esgotos sanitários, onde pululam cobras, ratos, baratas, mosquitos (olha o aedes aegypt aí gente!) e de onde emana uma fedentina desgraçada em prejuízos dos moradores dos conjuntos habitacionais próximos. Perdemos a lagoa e ganhamos uma merda de favela. Ou vice-versa.
         Lembro também que perdemos o “Ponto do Coquinho”, simpático e adequadamente sujo boteco situado na esquina de um beco na rua Araújo Pinho. Para lá se dirigiam todos os finais de tarde e fins de semana, uma diversificada “fauna”. Eram biriteiros comuns, seguidos de jornalistas, intelectuais, artistas, viajantes, periguetes, todo mundo saboreando a cachaça que vinha dentro de um coco seco cuidadosamente guardado em refrigerador. João do Coquinho, o anfitrião, tratava de servir as doses coadas numa peneirinha em copos americanos. Uma delícia. Mas eis que o poder público, em nome da tal mobilidade urbana, desapropriou os imóveis naquele trecho para alargar o beco, levando assim de roldão, o nosso tradicionalíssimo e cultural Boteco do Coquinho. Fosse nos dias de hoje, a banda ia tocar diferente. Ia ter protesto e ação no Ministério Público. Começava com uma “Lavagem do Beco do Coquinho”, com bandas de música, apresentações de artistas locais, discursos de sociólogos, fogos de artifício, faixas e cartazes com dizeres mais ou menos assim: “O Coquinho é nosso e ninguém tasca”: “Quebre meu coquinho e nós quebramos seu coco”. E palavras de ordem como: João, João, João, o coquinho é nosso, é a nossa tradição”!
         Maravilha né. O beco iria continuar apertado, engarrafando o trânsito, mas o Coquinho continuava lá. Eita coco duro, oxente!
Portando meus caros concidadãos, uni-vos! A catinga é nossa e ninguém tasca. Embarguemos o túnel do viveiros já! 

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