segunda-feira, 24 de maio de 2010

*Carta de uma doutora portuguesa para Maitê Proença

Antes de lerem a carta da Dra. Mafalda, endereçada à Maitê Proença, algumas observações sobre as razões da missivista:
1) Maitê Proença disse no programa "Saia Justa" umas gracinhas sobre a
inteligência dos portugueses. Fez comentários descabidos sobre a História de Portugal, sobre tradições portuguesas que ela desconhece, sobre o estuário do Rio Tejo, reduziu Sintra a uma vilazinha, criticou e ridicularizou o atendimento a seu PC pelo pessoal do hotel onde estava hospedada.
2) O programa passa em Portugal e causou um grande mal estar lá na
"terrinha". Quando foi execrada pelos portugueses, no seu pedido de desculpas ainda disse que o povo Português não tem senso de humor. Que foi "apenas" uma brincadeirinha.
Esta professora portuguesa além de escrever muito bem, acabou com a Maitê Proença e de quebra, com os nossos representantes em Brasília, protagonistas de um vasto anedotário. Temos que ficar caladinhos. É isso que dá, alguém despreparado emitir conceitos sobre assuntos que não domina, com apoio dos alienados das redes de TV Brasileira, que se consideram o máximo em cultura.
“Exma. Senhora:
Foi com indignação que vi a ‘peça cômica’ que fez em Portugal e passou no programa Saia Justa em que participa. Não que me espante que o tenha feito – está à altura da imagem que há muito tenho de si, pelo que me tem sido dado ver pelos seus desempenhos – mas sim pelo fato da TV Globo ter permitido que tal ignorância fosse para o ar.
Só para que possa, se conseguir, ficar um pouco mais esclarecida: A
‘vilazinha’ de Sintra é património da Humanidade, classificada pela UNESCO e unanimemente reconhecida como uma das mais belas e bem preservadas cidades históricas do mundo; Em Portugal, onde existem pessoas que olham para o mouse do seu computador como se de uma capivara se tratasse, foi onde foi inventado o serviço pré-pago de telefones móveis (os celulares) – não existia nenhum no mundo que sequer se aproximasse e foi também o que inventou o sistema de passagem nas portagens (pedagios, se preferir), sem ter que parar – quando passar por alguma, sem ter que ficar na fila, lembre-se que deve isso aos portugueses.
É um dos países do Mundo com maior taxa de penetração de computadores e serviços de internet em ambiente doméstico. É o único país do mundo onde TODAS as crianças que frequentam a escola têm acesso direto a um computador (no próprio estabelecimento de ensino) – e em Portugal TODAS as crianças vão à escola. Muitas delas até têm um computador próprio, para seu uso exclusivo, oferecido ou parcialmente financiado pelo Ministério da Educação.
Já ouviu falar do Magalhães? É natural que não. Mas saiba que é uma criação nossa, que está a ser adquirida por outros países. Recomendo-o vivamente – é muito simples e adequado para quem tem poucos conhecimentos de informática. Somos tão inovadores em matéria de utilização de tecnologia informática e web nas escolas, que o nosso caso foi recomendado por especialistas americanos, como exemplo a seguir, a Barack Obama, que é só o Presidente dos Estados Unidos – ao Sr. Lula da Silva tal não seria oportuno, porque ele considera que a Escola não é determinante no sucesso das pessoas (e, no Brasil, a julgar pelo próprio, tem toda a razão).
A internet à velocidade de 1 Mega, em Portugal há muito que é
considerada obsoleta – eu percebo que não entenda porquê, porque no Brasil é hoje anunciada como o grande factor diferenciador a transmissão por cabo que já não nos interessa. Já estamos noutra – estamos entre os países do mundo com a rede de fibra óptica mais desenvolvida.E nesse contexto 1 Mega é mesmo uma brincadeira.
O ditador a que se refere – o Salazar – governou, infelizmente, ‘mais
de 20 anos’, mas para a próxima, para ser mais precisa, diga que foram 48
(INFELIZMENTE, é mais do dobro de 20). Ainda assim, e apesar do muito dano que nos causou a sua governação, nós, portugueses, conseguimos em 35 anos reduzir praticamente a ZERO a taxa de analfabetos e baixar para cifras irrisórias o nível de mortalidade infantil e de mulheres no parto onde
estamos entre os melhores do mundo.
Criar uma rede viária que é das mais avançadas do mundo – em Portugal, sem exceder os limites de velocidade e sem correr risco de vida, fazemos 300 km em duas horas e meia (daria tanto jeito que no Brasil também fosse assim!).
Melhorar muito o nível de vida das pessoas, promovendo salários e
condições de trabalho condignos. Temos ainda muito para fazer nesta matéria, mas já não temos pessoas fechadas em elevadores, cuja função é apenas carregar no botão do andar pretendido – cada um de nós sabe como fazê-lo e aproveitamos as pessoas para trabalhos mais estimulantes e úteis; também já não temos trabalhadores agrícolas em regime de escravatura – cada pessoa aqui tem um salário, não trabalha a troco de um prato de comida.
Colocar-nos na vanguarda mundial das energias renováveis, menos
poluentes, mais preservadoras do planeta; enquanto uns continuam a escavar petróleo, nós estamos a instalar o maior parque de energia eólica do mundo (é a energia produzida a partir do vento).
Poderia também explicar-lhe quem foi Camões, Fernando Pessoa, etc., cujos túmulos viu no Mosteiro dos Jerónimos, mas eles merecem muito mais.
Ah!, já agora, deixe-me dizer-lhe também que num ponto estou muito de acordo consigo: temos muito pouco sentido de humor. É verdade. Não acharíamos graça nenhuma se tivéssemos deputados a receber mesada para votarem num certo sentido, não nos divertiria muito se encontrassem
dirigentes políticos com dinheiro na cueca, não nos faria rir ter senadores
a construir palácios megalômanos à conta de superfaturação do Estado, não encontramos piada quando os políticos favorecem familiares e usam o seu poder em benefício próprio. Ficaríamos, pelo contrário, tão furiosos, que os colocaríamos na cadeia. Veja só – quanta falta de humor. Mas, pelo
contrário, fazem-me rir as sessões plenárias do senado brasileiro. Aqui em
Portugal, e estou certa que em toda a Europa, tal daria um excelente
programa de humor. Que estranho, não é?
Para terminar só uma sugestão: deixe o humor para quem no Brasil o
sabe fazer com competência (e há humoristas muito bons no Brasil). Como
alternativa, não sei o que lhe sugerir, porque ainda não a vi fazer nada que
verdadeiramente me indicasse talento. Peço desculpa por não poder contribuir.

*Mafalda Carvalho - Professora Doutora da Universidade de Coimbra

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