sábado, 2 de maio de 2009
Crônica da semana
Noites brasileiras
Estamos nos aproximando dos festejos juninos, época em que eu choro de saudades e de raiva. Saudades da época em que eu curtia a melhor de todas as festas, nas noites mais brasileiras que Gonzagão já cantou. Raiva, de ver no que ela se transformou. Mas, aqui e ali, cercando-se de alguns cuidados, ainda dá pra curtir um São João de verdade. Forró pé de serra, bolo de aipim, canjica, milho verde, pamonha e licor da fruta. A fogueira ilumina os gritos das crianças e aquece os corações.
No dia seguinte, cheiro de relva molhada, fumaça de fogueira se apagando e cheiro de fogos queimados, cuscuz de milho pisado no pilão, buchada, galinha caipira e café bem forte. E o friozinho da manhã convida a um cigarrinho de fumo de corda ou um bom charuto. Tudo envolto na maior alegria, camaradagem e, sobretudo, na mais santa paz.
E foi numa destas noites de São João que com a família e amigos reunidos na fazenda Paus Altos, de Pipiu e Ada Bahia, estava eu, casado há poucos anos e já com dois filhos menores, acampado numa barraca armada no terreiro da casa. Ao lado da barraca havia (e ainda há) um quarto estreito, com beliche dos dois lados, formando um corredor. Ao fundo um velho guarda-roupa feito de compensado. Ali se arranchavam os homens solteiros, por isso apelidamos carinhosamente o local como “Pedra Preta”, numa alusão nada sutil à famigerada penitenciária de Salvador.
Após tomarmos todos os licores, dançarmos todos os forrós e as crianças soltarem todos os fogos, alguns foram dormir e outros se reuniram em volta da fogueira para conversar e contar estórias. Ada, que sempre foi muito criativa, inventou uma estória de que havia uma assombração em forma de galinha, que cantava altas horas da noite, e voava botando ovos que se quebravam contra as paredes. “E ninguém deve abrir os olhos, porque ela vem para bicar a cegar as pessoas”.
Apesar de ser brincalhona, ela consegue manter um halo de respeitabilidade e credibilidade. Assim sendo, algumas pessoas, supersticiosas, acreditaram na estória da Galinha Voadora. Percebendo isso, eu fui até o galinheiro atrás da casa, peguei uma franguinha preta e joguei dentro da “Pedra Preta”. Pra completar o cenário, joguei um ovo no meio do corredor entre os beliches.
Quando a rapaziada foi dormir, alguns ainda brincavam falando com “voz de assombração”: “Cuidado com a galinha voadora”! Como não havia luz, pois o gerador já havia sido desligado, eu chamei Carlito, filho de Pipiu e tão gozador quanto o pai, e contei o caso pra ele. Ele pegou uma lanterna e quando entrou no quarto disse: “Pessoal, eu pisei em alguma coisa estranha aqui”. Quando ele apontou a lanterna e os outros constaram que era um ovo, deu gosto ver o estouro da boiada.
A porta do quarto é estreita e dividida em duas. Eu quase morro de rir só de ver aqueles rapagões tentando passar de dois ou três pela mesma porta. Pra convencer a turma a volta a dormir demorou. Eu, na maior cara de pau, argumentava que aquilo devia ser alguma brincadeira, que não existia aquele negócio de galinha voadora, etc & tal.
O pessoal foi voltando ao poucos e já estava quase tudo acomodado quando um deles resolveu abrir o guarda roupa para pegar alguma coisa. É que a franga, assustada, se alojara atrás do guarda roupa. Quando a porta foi aberta o móvel, que tinha um pé em falso, balançou e franga revelou sua presença cacarejando.
Co, có, co... Foi o suficiente para um novo estouro da boiada. Teve gente preferiu dormir dentro dos carros ou no relento, mas não voltou mais ao quarto. Terminaram por descobrir que fora eu o autor do “atentado” e planejaram derrubar minha barraca. A vingança só não se cumpriu porque alguém argumentou que havia dois recém nascidos lá dentro.
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