sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Entre o Céu e o Inferno


Eu tenho um amigo que me disse certa vez que não queria ir para o Céu quando morresse. Antes que eu me refizesse da surpresa, ele disse que também não queria ir para o Inferno. E explicou: “No Céu é muito chato. É só paz, silêncio, música ambiente, orações, cânticos religiosos, etc. Já no inferno tem o diabo a nos atazanar com seu fogaréu, seu tridente a nos espetar, trabalho debaixo de chicote. É só sofrimento. Não! Eu quero ir para o Purgatório, porque lá tem um pessoal mais maneiro, que canta e reza, mas também não dispensa uma festinha, um vinho, um churrasquinho de carneiro, essas coisas”.
Creio que, em havendo o direito dessa escolha, a maioria das pessoas também iriam preferir ir para o Purgatório. É sempre melhor negociar uma dívida do que sofrer por não pagá-la. E é sempre melhor levar uma vida salpicada com alguma emoção do que em plena paz. Alguns filósofos defendem a tese de que se o ser humano não tivesse nenhum problema, ele inventaria um, porque a vida sem problemas é muito chata.
Se alguém duvida é só buscar na Internet o índice de suicídios nos países ricos. Certa vez li num jornal um depoimento de um japonês aposentando, explicando porque encerrara sua conta em determinado banco. Dizia ele: “Esse banco não me serve mais. Tudo aqui é automático. Eu não vejo e nem falo mais com pessoas, só com máquinas”. Ou seja, ele sentia a falta dos atendentes, caixas, gerentes, gente comum, como ele, com quem ele poderia compartilhar suas alegrias e tristezas, ou simplesmente trocar um dedinho de prosa, qualquer coisa que desse sentido à sua existência como ser humano.
Eu, às vezes, me aborreço com uma pessoa chata, inconveniente. Mas, que seria de mim se elas não existissem. Eu tremo só de pensar se todas as pessoas fossem iguais. Nesses momentos eu me lembro de quando me ofereceram um emprego num escritório de crédito de uma grande empresa. Eu seria o diretor do departamento, com um ótimo salário, um apartamento pago pela empresa e, de quebra, um emprego para minha mulher.
Quando eu me imaginei vestido em paletó e gravata, passando meus dias atrás de uma mesa numa sala com ar refrigerado, sem ver a luz do sol sem sentir a carícia dos ventos e os pingos da chuva, eu recusei na hora. Eu nasci para isto. Eu gosto de viajar, conhecer novos lugares e pessoas, gosto do contato e da conversa com os meus semelhantes. Sei que se num dia choro, no outro posso estar rindo e, como diz o poeta, sem pressa, eu vou tocando os dias, um de cada vez, pela estrada da vida.
Viajo sem medo nesta bola azul que atravessa a imensidão do espaço, sabendo que, assim como um dia cheguei aqui, num outro estarei indo embora. Não pedi para vir e também não vou fazer nenhuma força para partir. E quanto ao meu Céu, Inferno ou Purgatório, eu mesmo os construo aqui.

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