Da pílula de insulina à tinta antimicrobiana: as inovações tecnológicas que prometem salvar vidas
As chamadas doenças tropicais
negligenciadas (DTNs) afetam mais de 1 bilhão de pessoas e custam todos
os anos bilhões de dólares às economias de países em desenvolvimento,
segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
As populações que
vivem na pobreza, sem saneamento básico adequado e em contato direto com
vetores de infecções são as mais afetadas por essas doenças, que
predominam em condições tropicais.
Para complicar, infecções virais como o sarampo e a tuberculose, que foram praticamente erradicadas há um século, estão novamente em ascensão.
E doenças mais comuns passíveis de tratamento - como a gripe,
por exemplo - são responsáveis por milhares de mortes que poderiam ser
evitadas a cada ano.
Felizmente, as novas tecnologias médicas
apresentam um grande potencial para controlar infecções, conter surtos e
até mesmo fornecer suprimentos para salvar vidas em regiões remotas.
Da
tinta antimicrobiana a vacinas sem agulha e drones que transportam
órgãos para transplante, as inovações tecnológicas estão se tornando
rapidamente uma realidade na medicina.
No curto prazo,
essas novas ferramentas podem aumentar a taxa de sobrevivência de
pacientes com uma série de doenças; no longo prazo, podem ajudar a
entender a epidemiologia dos agentes patogênicos, essencial para o
desenvolvimento de programas globais de controle de doenças.
Insulina sem dor
Certos
medicamentos só podem ser administrados por meio de injeção. A
aplicação é dolorosa para os pacientes e trabalhosa para os
profissionais de saúde - além disso, a falta de agulhas hipodérmicas
esterilizadas em algumas áreas pode levar a infecções.
Diante
deste contexto, cientistas do Instituto Koch de Pesquisa Integrada sobre
o Câncer, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em
inglês), e do Brigham and Women's Hospital, afiliado à Universidade
Harvard, nos EUA, desenvolveram uma espécie de pílula de insulina.
Trata-se
de uma cápsula capaz de transportar o hormônio pelos obstáculos do
sistema digestivo até chegar ao estômago, onde é absorvido pela corrente
sanguínea.
Funciona da seguinte maneira: uma vez ingerida, a
cápsula libera um dardo de insulina, ativado por meio de uma mola, que é
aplicado diretamente na parede do estômago.
Os pesquisadores publicaram suas descobertas na revista científica Science,
explicando que se "inspiraram na capacidade de auto-orientação da
tartaruga-leopardo" - a cápsula foi criada nos moldes do casco do
animal. O aplicador de insulina sabe, portanto, como se
posicionar de forma que sua agulha microscópica atinja diretamente o
tecido estomacal, sem perfurar nenhum órgão ao longo do caminho.
Pacientes
com diabetes tipo 1 - doença autoimune na qual o pâncreas não produz
insulina suficiente - recebem injeções diárias do hormônio, responsável
por controlar a glicose no sangue.
Mas, em breve, talvez sejam capazes de controlar sua condição com a ajuda desta cápsula do tamanho de uma ervilha.
Tinta antimicrobiana contra 'superbactérias'
Cerca
de 10% dos pacientes hospitalizados contraem uma nova doença durante o
período de internação - muitas vezes depois de entrar em contato com
equipamentos e superfícies infestados de germes.
Em todo o mundo,
700 mil pessoas morrem a cada ano em decorrência de infecções
resistentes a medicamentos, incluindo tuberculose, HIV e malária.
A OMS classificou recentemente a resistência a antibióticos como uma "ameaça à saúde global".
Como
resposta, a agência que controla os alimentos e medicamentos dos EUA
(FDA, na sigla em inglês) e diversas empresas líderes no mercado de
tinta se uniram para desenvolver uma variedade de revestimentos
antimicrobianos que podem ser aplicados em equipamentos e materiais
hospitalares.
Estes aditivos antibacterianos são adicionados à
tinta ou ao verniz durante seu processo de fabricação; a tinta é então
aplicada na superfície que, uma vez seca, se torna resistente a
micróbios, mofo e fungos.
A BioCote produz tintas antimicrobianas
que são vendidas comercialmente, oferecendo um mecanismo promissor para
combater as chamadas "superbactérias": aquelas que são resistentes a
antibióticos e podem infectar superfícies hospitalares, contaminando
pacientes que já estão com a imunidade baixa.
Ironicamente, as
mesmas substâncias químicas presentes em produtos antibacterianos - como
desinfetantes e gel para higienizar as mãos - usados na limpeza de
hospitais e equipamentos médicos são conhecidos por promover as cepas
antibacterianas (resistentes a antibióticos), matando bactérias boas e
más da mesma forma.
Desde a invenção no início do século 20, os
antibióticos salvaram inúmeras vidas, erradicando doenças causadas por
bactérias nocivas; mas, assim como o uso excessivo das drogas
enfraqueceu sua eficácia, a tinta antimicrobiana não é uma medida
infalível.
É seguro dizer que, desde que não confiem nela como
único método, os hospitais podem adicionar a tinta antibacteriana à
lista de procedimentos de combate a doenças.
Âncoras criptografadas contra remédios falsos
As
fraudes custam à economia global mais de 3 trilhões de libras por ano
(cerca de R$ 15,5 trilhões). Da corrupção corporativa à falsificação de
eletrônicos, elas permeiam quase todos os setores, incluindo o sistema
de saúde: em alguns países, quase 70% de certos medicamentos são falsos. No início de fevereiro, a Organização Mundial da
Saúde alertou para uma leva de medicamentos falsificados para leucemia
que estava circulando pelas Américas e pela Europa. Médicos encontraram
ainda vestígios de ecstasy e de ingredientes do Viagra em comprimidos
supostamente antimaláricos.
Acontece que garantir a autenticidade
dos medicamentos é quase tão difícil quanto monitorar contas bancárias
ou produtos eletrônicos. A cadeia de suprimentos complexa, composta por
dezenas de fornecedores em vários países, dificulta evitar que pessoas
mal-intencionadas adulterem os remédios.
O mercado de medicamentos
legalizados superou o de narcóticos ilegais, um fato que não passou
despercebido pelos traficantes de drogas; e quando um paciente não se
recupera após tomar um remédio (falsificado), os médicos geralmente
culpam a doença, e não o medicamento.
Mas tudo isso pode mudar em
breve, graças a uma equipe de pesquisadores da IBM que estão
desenvolvendo âncoras criptografadas - impressões digitais à prova de
fraudes que podem ser incorporadas aos produtos e conectadas a um
blockchain para assegurar sua autenticidade (o blockchain é uma espécie
de banco de dados descentralizado que usa criptografia para registrar as
transações).
A âncora criptografada é menor do que um grão de
areia e pode assumir várias formas - pode ser, por exemplo, um código
óptico colocado em um comprimido, capaz de distingui-lo de remédios
falsos, praticamente da mesma forma que os diamantes verdadeiros são
marcados para serem diferenciados de imitações.
Os pesquisadores
também estudam incorporar a âncora criptografada a uma tinta magnética
comestível, que poderia então ser usada para revestir um comprimido
antimalárico. Uma gota de água ativaria visivelmente o código,
garantindo aos consumidores que a pílula é autêntica e segura.
Como
seus códigos de identificação não podem ser duplicados ou copiados, as
âncoras criptografadas são altamente seguras, oferecendo aos pacientes,
médicos e demais profissionais de saúde segurança adicional em um
cenário farmacêutico cada vez mais fraudulento.
Conexão gratuita
Não
damos muito valor à conexão com a internet, mas muitos lugares não têm
acesso a uma rede confiável. Falhas na comunicação digital durante uma
crise de saúde pública podem ter consequências devastadoras - como doses
de medicamentos perdidas, fichas de pacientes incorretas, tomadas de
decisão infelizes, erros médicos e informações incompletas sobre surtos
de doenças.
Na África, continente em que 1,1 bilhão de habitantes
dependem principalmente da internet móvel, a conectividade é
notoriamente ruim; o problema é agravado pelo fato de que os usuários
geralmente tentam acessar conteúdos que estão em um servidor remoto em
algum lugar dos Estados Unidos ou da Europa.
A solução é se
conectar à Moja, uma rede pública de Wi-Fi gratuita criada pela empresa
BRCK, desenvolvida para áreas com acesso limitado à internet.
Mais
do que apenas um roteador, essa Rede de Distribuição de Conteúdo (CDN)
substitui de forma eficaz os dados móveis - e caros - permitindo que os
usuários naveguem na internet e nas redes sociais sem custo adicional,
já que qualquer um que esteja dentro do alcance do sinal da Moja pode se
conectar à internet de graça.
A rede de servidores do Moja
hospeda conteúdo do Facebook, Netflix e Youtube, mas também tem um
grande impacto no gerenciamento de doenças: usuários em áreas remotas
podem trocar mensagens e compartilhar informações em tempo real,
simplificando a comunicação entre médicos, pacientes, hospitais e
voluntários da área de saúde.
Além disso, o hardware da BRCK foi
projetado levando em conta os desafios climáticos e ambientais: o Moja
usa roteadores de alumínio resistentes e à prova d'água, com várias
portas de energia, garantindo que os aplicativos funcionem sem problema
mesmo em condições hostis. (BBC News Brasil)
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