quarta-feira, 28 de maio de 2025

Segunda é dia de CRÔNICA: A mulher apaixonada

Uma mulher apaixonada é outro papo. Mulheres falam; ela ronrona. A voz é embargada por emoção incontrolável, como quem recebe uma hóstia sabendo que a carne é fraca. Ela é a foz das mais despudoradas intenções, que uma mulher buscando entrega se atira em todas as correntezas, afinal, serenidade e pudor têm hora e limite!

Ela tem ritmo único. Como se pisasse sobre telhados, em cio. É puro mimetismo, módulo lunar que voa para o outro em órbita perfeita para acoplamento. Não falo desses enganos nas madrugadas sem lei, mas de uma mulher tocada pela loucura de amor. Ela sabe que toda fronteira é cancela de areia, porque já migrou para a terra ocupada pelos delitos de seu imaginário.
Os Amantes - Renoir

Observe bem e verá que coreografa uma contínua dança de acasalamento, receptiva e correspondente, como os animais, em dois, na Arca de Noé. As saboneteiras afundam aos suspiros- só elas sabem a que profundidade. As pernas bailam no vestido como se atiçassem um pano vermelho diante de um animal- somos todos animais- em uma tourada.
Ouça com atenção e perceberá o som -ou gemido-que seu corpo emite como se pele e desejo se dessem a uma sinfonia anunciando aos quatro ventos sua paixão. Ela é versada em despedidas e reencontros apocalípticos. Choros convulsos e gargalhadas boreais. Discussões veementes e recuos sem remorsos diante da posse inadiável. Certezas indestrutíveis e dúvidas avassaladoras. Só ela é capaz de êxtases deslumbrantes e tristezas de amor abismais, no mesmo instante.
A geografia de uma mulher apaixonada é delimitada pela esperança e alimentada pela possibilidade. Vive do provisório como se andar na corda bamba fosse seu dom natural. Por amor, não tem limites. Zela e conspira, todo tempo, por seu homem, sem tábua de salvação. Dá o dito por não dito, se preciso. Está sempre pronta- no céu, na terra, na água, no ar- onde for necessário. Comete loucuras no banho -nua de todos os sensos. Declara confidências aos lençóis, feito cúmplice. Por ele, se joga no abismo, ainda que seja precária a vida dos amantes.
A mulher apaixonada tem a verdade de um mandamento. É dona de si e criança cheia de medos. Beligerante, com jeito de onça cutucada com vara curta; de paz como uma domadora de borboletas. E rastreia como radar as entonações, cansaço, procura, do amado, pois, é sempre um oráculo a prever o futuro. Do minuto seguinte e da eternidade.
Sem uma somos deserto. A mulher apaixonada é nossa desesperada miragem.

 𝗖𝗲𝘀𝗮𝗿 𝗢𝗹𝗶𝘃𝗲𝗶𝗿𝗮 - Tabaréu, feirense, médico, professor, apaixonado por palavras, pessoas e a vida. Sou de mato, vinhos, cafés, pratos, prosas - falada e escrita. Essa tem sido minha receita.

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