terça-feira, 18 de julho de 2017

De Raquel Dodge a Cármen Lúcia: o que 4 mulheres no topo representam para a Justiça



Em setembro, quando Raquel Dodge assumir o cargo de procuradora-geral da República, para o qual foi aprovada no Senado na última semana, o Brasil passará a ter, pela primeira vez, quatro mulheres no comando das principais instituições jurídicas nacionais. Dodge se juntará a Cármen Lúcia, que preside o Supremo Tribunal Federal, Laurita Vaz, líder do Superior Tribunal de Justiça, e Grace Mendonça, primeira mulher a assumir o comando da Advocacia-Geral da União (AGU).

O que isso significa na prática para a Justiça brasileira - e para as mulheres que trabalham no sistema judiciário?

As carreiras jurídicas têm cada vez mais representantes do sexo feminino. Nos últimos anos, por exemplo, o número de mulheres inscritas em grande parte das seccionais da OAB tem superado o de homens.

O problema, para alguns analistas, é que, em sua maioria, elas permanecem na base da pirâmide, e não em posições de comando - emulando outros setores da economia. Assim, Cármen, Laurita, Raquel e Grace seriam apenas notáveis exceções.


"Elas prevalecem (em número), mas, à medida que a carreira avança, vão ficando pelo caminho por que veem que não vão chegar ao topo", diz à BBC Brasil Patricia Tuma Martins Bertolin, professora do Mackenzie e autora do livro recém-lançado Mulheres Advogadas: Perfis Masculinos de Carreira ou Teto de Vidro, baseado em sua pesquisa de pós-doutorado.

No estudo, Bertolin investigou dez grandes escritórios de advocacia do país. Em apenas dois deles encontrou números iguais de mulheres e homens na condição de sócios. Nos demais, as mulheres são contratadas em maior número já no estágio, sendo também a maioria nos patamares iniciais da carreira, mas, à medida que esta avança, tendem a permanecer em posições subalternas.

"A maioria das que ascenderam conseguiram fazê-lo antes de serem mães", explica Bertolin.

E, quando mães, precisam se submeter a condições muito difíceis: "Abdicando de fins de semana, trabalhando de madrugada, sob grandes pressões. Em troca da flexibilidade de não ter um horário rígido para entrar (no escritório), elas vivem em ritmo alucinante, que gera um alto índice de afastamento por doença. E muitas voltam da licença-maternidade com menos chance de estar no páreo para serem promovidas."

Além disso, para Bertolin, no meio jurídico "existe a concepção de que os cuidados com a família devem ser assumidos prioritariamente pelas mães. Ninguém na minha pesquisa questionou o fato de 'por eu ser mãe, sou eu que sou chamada na escola, que tenho que contratar a empregada...'. É algo naturalizado e que se repete em outras profissões, como mostram pesquisas em carreiras como a medicina".



Magistratura

Na carreira jurídica pública, segundo o censo do Poder Judiciário de 2014, há por exemplo 64% de magistrados homens e 36% de mulheres.

À medida que a hierarquia sobe, a diferença aumenta ainda mais: os desembargadores brasileiros são 78,5% do sexo masculino; os ministros de tribunais superiores e do STF são 81,6% do sexo masculino.

Para Maria da Gloria Bonelli, professora sênior do Departamento de Sociologia da Ufscar e pesquisadora do tema, a ascensão na carreira pública é "complexa" para mulheres.

De um lado, a ingressão via concurso ajuda a neutralizar diferenças de gênero e garantias trabalhistas, como licença-maternidade de seis meses. Mas quando o avanço depende de nomeações, há mais empecilhos.

"Muitas sentem que não foram discriminadas, porque a carreira pública neutraliza (distinções de gênero). Mas outras dizem que precisaram se dedicar o dobro", diz Bonelli à BBC Brasil.

Em outros poderes, há desequilíbrio ainda maior do que no Judiciário, apesar da existência de cotas para candidatas mulheres.

Nas últimas eleições, por exemplo, apenas 13% dos prefeitos e 14% dos vereadores eleitos eram mulheres, segundo o Tribunal Superior Eleitoral.

"Não é algo que venha só dos homens, mas dos valores da sociedade. Muitas se escondem atrás do escudo de profissional irretocável para que a condição de gênero não pese demais. (...) Muitas delegam tarefas a outras mulheres, com todas as culpas que isso traz."

No Supremo, a ministra Cármen Lúcia já fez algumas vezes questionamentos a distinções de gênero.

Durante sessão em maio, quando a ministra Rosa Weber foi interrompida por Luiz Fux, Cármen Lúcia se queixou.

"Em todos os tribunais constitucionais onde há mulheres, o número de vezes em que as mulheres são aparteadas (interrompidas) é 18 vezes maior do que entre os ministros. (...) Em geral, eu e a ministra Rosa - não nos deixam (nem) falar, então nós não somos interrompidas." Leia matéria completa no.BBCBrasil



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