quinta-feira, 6 de julho de 2017

Entre ornitorrincos, jacutingas e sacis pererês



Eu ouvia muitos programas de rádio. A maioria por força da profissão. Agora aposentado, escuto um ou outro da minha escolha. Mas, sempre me surpreendia, mesmo quando estava na ativa em jornais, ao ler um jornal ou revista, ou ao ligar um rádio ou TV, com a quantidade de colegas, muitos com mais estrada que eu, mais cursos que eu, mais vivencias, idades, enfim, que se pressupunha com bagagem bem maior que a minha, mas que passavam batidos com coisas simples.

Eu não fui um estudante exemplar. Repeti a quarta série três vezes. Fiz o segundo grau através do supletivo e abandonei a Universidade no quarto semestre. Mas eu sempre fui muito bom em memorizar minhas vivências e experiências, e devorava livros com uma fome digna de Erisícton.
Sabendo disso, meus amigos sempre recorreram a mim para esclarecer alguma dúvida sobre os mais diversos temas e sobre o significado de palavras que caíram em desuso com o tempo. Há alguns dias, o pessoal do programa de Dilson Barbosa se deparou com a expressão “Pó de Pemba” e ninguém na redação sabia o que era. Liguei para a minha amiga Ana Paula e ela se surpreendeu por eu saber do que se tratava, sem saber ela que surpreso eu de que num grupo de cerca de cinco baianos ninguém conhecia o giz ritualístico dos cultos afros cujo pó que desprende é chamado de Pó de Pemba, também utilizado em feitiços.

No mesmo programa estava eu na redação quando disse que alguém era comparável a um Ornitorrinco. Ninguém entendeu, porque desconheciam aquele bichinho que vive lá na Austrália, e que presumo que a Mãe Natureza estava de pileque no dia em que o criou. O Ornitorrinco é um mamífero que põe ovos, tem pelos, bico de pato, vive tanto na terra quanto na água e tem esporões nas pontas das asas que injetam veneno como cobras. Então, quando vejo alguém multifacetado costumo dizer que parece um Ornitorrinco.  Agora eu os ouvi entalados com uma expressão utilizada por Barbosa: “Tem Jacutinga nesse negócio”. Aliás, o próprio âncora desconhecia o que seria “Jacutinga”. Encontraram no Google que se trata de uma ave da fauna brasileira, mas não encontraram o significado da expressão. Eu, que vivi e convivi muito tempo com gente da zona rural, passei boa parte da minha infância e juventude ouvindo a expressão que alguém clamava quando acreditava que alguma coisa estava errada, que tinha alguma mutreta envolvida em alguma situação.

Desde que li os 12 trabalhos de Hércules, me apaixonei por mitologia greco/romana. Daí pulei para a nórdica e a brasileira, é claro. Essas coisas me reportaram a um personagem lendário do folclore brasileiro do qual eu gosto muito, o Saci Pererê. Trata-se de uma lenda construída pelos três povos que formaram a população Brasileira: O índio, o europeu e o africano. Existe na Amazônia um pássaro que os índios chamam de Iaci Iaterê. Ele tem penas negras e chumaço de penas vermelhas na cabeça. E ele tem algumas peculiaridades, tais como, se sustentar em uma perna só e ser ventríloquo. Ele canta em um lugar e quem ouve tem a impressão que foi em outro. Isso engana o caçador ou observador. Os índios então lhes atribuíram poderes mágicos, e falavam do diabinho que enganava as pessoas na floresta. Quando os portugueses chegaram, logo transformaram a ave em um negrinho de uma perna só e puseram em sua cabeça um gorro de marinheiro, na cor vermelha. Vieram os africanos um puseram um cachimbo (pito) na boca do negrinho. E assim nasceu esse diabinho negro, de uma perna só, que usa um gorro mágico na cabeça, fuma cachimbo, faz os viajantes se perderem na floresta, dá nós nas crinas dos animais, azeda o leite, faz mil travessuras. O Iaci Iaterê recebeu ainda os nomes de Martin Cererê. Matinta Pereira, até virar o nosso querido Saci Pererê, o personagem folclórico mais brasileiro que existe na nossa mitologia.




P.S. Aí, moçada! Ler, observar, estudar, é tudo de bom. É a maior viagem.

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