Eu
ouvia muitos programas de rádio. A maioria por força da profissão. Agora
aposentado, escuto um ou outro da minha escolha. Mas, sempre me surpreendia,
mesmo quando estava na ativa em jornais, ao ler um jornal ou revista, ou ao
ligar um rádio ou TV, com a quantidade de colegas, muitos com mais estrada que
eu, mais cursos que eu, mais vivencias, idades, enfim, que se pressupunha com
bagagem bem maior que a minha, mas que passavam batidos com coisas simples.
Eu
não fui um estudante exemplar. Repeti a quarta série três vezes. Fiz o segundo
grau através do supletivo e abandonei a Universidade no quarto semestre. Mas eu
sempre fui muito bom em memorizar minhas vivências e experiências, e devorava
livros com uma fome digna de Erisícton.
Sabendo disso, meus amigos sempre
recorreram a mim para esclarecer alguma dúvida sobre os mais diversos temas e
sobre o significado de palavras que caíram em desuso com o tempo. Há alguns
dias, o pessoal do programa de Dilson Barbosa se deparou com a expressão “Pó de
Pemba” e ninguém na redação sabia o que era. Liguei para a minha amiga Ana
Paula e ela se surpreendeu por eu saber do que se tratava, sem saber ela que
surpreso eu de que num grupo de cerca de cinco baianos ninguém conhecia o giz
ritualístico dos cultos afros cujo pó que desprende é chamado de Pó de Pemba,
também utilizado em feitiços.
No
mesmo programa estava eu na redação quando disse que alguém era comparável a um
Ornitorrinco. Ninguém entendeu, porque desconheciam aquele bichinho que vive lá
na Austrália, e que presumo que a Mãe Natureza estava de pileque no dia em que
o criou. O Ornitorrinco é um mamífero que põe ovos, tem pelos, bico de pato,
vive tanto na terra quanto na água e tem esporões nas pontas das asas que
injetam veneno como cobras. Então, quando vejo alguém multifacetado costumo
dizer que parece um Ornitorrinco. Agora
eu os ouvi entalados com uma expressão utilizada por Barbosa: “Tem Jacutinga
nesse negócio”. Aliás, o próprio âncora desconhecia o que seria “Jacutinga”.
Encontraram no Google que se trata de uma ave da fauna brasileira, mas não
encontraram o significado da expressão. Eu, que vivi e convivi muito tempo com
gente da zona rural, passei boa parte da minha infância e juventude ouvindo a
expressão que alguém clamava quando acreditava que alguma coisa estava errada,
que tinha alguma mutreta envolvida em alguma situação.
Desde
que li os 12 trabalhos de Hércules, me apaixonei por mitologia greco/romana.
Daí pulei para a nórdica e a brasileira, é claro. Essas coisas me reportaram a
um personagem lendário do folclore brasileiro do qual eu gosto muito, o Saci
Pererê. Trata-se de uma lenda construída pelos três povos que formaram a
população Brasileira: O índio, o europeu e o africano. Existe na Amazônia um
pássaro que os índios chamam de Iaci Iaterê. Ele tem penas negras e chumaço de
penas vermelhas na cabeça. E ele tem algumas peculiaridades, tais como, se
sustentar em uma perna só e ser ventríloquo. Ele canta em um lugar e quem ouve
tem a impressão que foi em outro. Isso engana o caçador ou observador. Os
índios então lhes atribuíram poderes mágicos, e falavam do diabinho que
enganava as pessoas na floresta. Quando os portugueses chegaram, logo
transformaram a ave em um negrinho de uma perna só e puseram em sua cabeça um
gorro de marinheiro, na cor vermelha. Vieram os africanos um puseram um
cachimbo (pito) na boca do negrinho. E assim nasceu esse diabinho negro, de uma
perna só, que usa um gorro mágico na cabeça, fuma cachimbo, faz os viajantes se
perderem na floresta, dá nós nas crinas dos animais, azeda o leite, faz mil
travessuras. O Iaci Iaterê recebeu ainda os nomes de Martin Cererê. Matinta
Pereira, até virar o nosso querido Saci Pererê, o personagem folclórico mais
brasileiro que existe na nossa mitologia.
P.S.
Aí, moçada! Ler, observar, estudar, é tudo de bom. É a maior viagem.
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