segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

A fúria marcada para acontecer


César Oliveira
Um corretor matou um taxista em uma briga de trânsito que demorou 9 segundos, na Paraíba. Em Mato Grosso do Sul, um homem matou uma mulher depois que ela derrubou a bebida dele em um bar. Em condições normais de temperatura e pressão, essa reação não aconteceria, mas estamos vivendo em um estado de fúria permanente. A morte fútil repete-se em várias notícias, de forma rotineira, revelando um intenso grau de desvalorização da vida, e banalização do ato de matar, que vai se tornando aceitável e tolerável.
O humano, com suas pulsões, seus erros, só é limitado pela lei, pela fé, e, até certo ponto, pela educação. Toda vez que começamos a ser lenientes com a Justiça, ou sabemos que estamos fora do seu alcance; que perdemos a fé como instrumento de moderação- o ateísmo é outra discussão-, ou, ainda, quando a educação falha em instrumentalizar esse humano de valores - que impõem sacrifícios necessários para conviver com o outro-, começamos a dar vazão a essa violência despropositada.

Nosso resquício de cérebro reptiliano reage com desenvoltura perigosa como reflexo de uma sociedade não pacificada, conflagrada, impregnada de um discurso diário de confronto, e egocentrismo. Em um mundo repleto de enfrentamentos atiçamos diariamente o estreito limiar entre resistência e agressão pura e bestial. Agressões, essas, que foram amplificadas pelas redes sociais, em que cada um é o senhor dos gritos, e da razão, seja individualmente, ou, coletivamente, nas seitas grupais. Essa overdose de ódio latente cobrará, cada vez mais caro, o seu preço.
O seminal filme , um Dia de Fúria, com Michael Douglas, de 1993, nos alertava para essa realidade incipiente. O personagem Foster, estressado, desempregado, divorciando-se, preso no engarrafamento, extravasa sua raiva, de arma em punho, em uma série de incidentes.
A espiral continua de desenvolvimento social, cientifico, tecnológico, extraordinários, é, também, uma espiral de aprisionamentos e medos, e sabemos que o medo é uma ilha, uma armadilha para as realizações. Aprendemos a valorizar a individualidade, mas fomos cercados pela solidão; libertamos o sexo de suas amarras e nos tornamos reféns das relações líquidas, artificiais, frágeis, incapazes de uma realização significativa e que nos deixam inseguros e oprimem. Avançamos nos direitos, mas estamos nos tornando incapazes de qualquer renúncia pessoal por projetos coletivos, mesmo que a dois.
Essa vida em que cada vez parecemos menos com senhores de nosso destino gera uma insatisfação permanente, ou exigência de suporte medicamentoso, terapias, mas que mantém o mesmo ciclo de prisioneiros de nossa liberdade.
Além disso, as pressões do cotidiano: emprego, trabalho mecânico, dividas, péssimos serviços urbanos, cidade e cidadania não acolhedora, opressiva, tornam o meio ambiente propicio ao estresse. Por sua vez, a exigência de sucesso sem fracassos -, e sucesso baseado em consumo desenfreado e mimético das redes sociais-, leva a um estado de frustração, e redução da autoestima. Assim, em camadas, vamos acumulando essa raiva latente, e ira, contra tudo, contra todos, seja o som do vizinho, a escolha política, sexual, ou mesmo, uma acidental queda de um copo. E a mínima perda, pode ser a gota d’água., a gota que falta.
Nesse permanente estado de sentimentos a flor da pele, a insanidade está sempre à espreita e a morte se torna um encontro marcado para acontecer. O que ainda não sabemos é como iremos nos libertar da fake liberdade que escolhemos.

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