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César Oliveira |
Por isso, há qualquer coisa de divino- e podemos falar de divino no
nosso futebol, pois, Pelé, o inventor da realeza, maior de todos, é
brasileiro, e, Baiaco, baiano-, quando um garoto entra em campo,
recomeçando, com ou sem pernas tortas, a refazer as pegadas na grama
deixadas por seus ídolos- no Flamengo, por Zico, um dos grandes-, e vai
afinando, polindo a arte bruta que será, muitas vezes, a sua, e de sua
família, tábua de salvação.
Não, não é um garoto que entra em campo, é um projeto, um resgate de
vida possível, seja por uma defesa impossível de ser feita que é feita,
um passe num espaço inexistente, que é criado, ou um gol, essa sentença
de glória e morte, em uma peleja de dois times, que consagra o autor e
arrasa de êxtase o coração da torcida.
Ah, há tanto a ser narrado, a ser celebrado, tanta beleza, em um
garoto que entra em campo, em um craque que ensaia e anuncia seus
espetáculos de magia, que as três deusas que fiam o fio da vida, por
vezes se distraem. E quando elas se distraem, como se distraíram no meu
Flamengo, vem uma dor tão lancinante, uma dor tão terrível de ser doída,
que não é dor possível de ser imaginada.
E a morte pelo fogo, inocentes e indefesos, em um alojamento
improvisado que os encarcerou em um forno de metal, executado com
gambiarras, sem autorização, notificado trinta vezes da ilegalidade-
como trinta vezes e continuou a funcionar?-, e, provavelmente,
necessário por falta de planejamento e montado para redução de custos em
uma equipe milionária, passa da tragédia, para a morte culposa; do
acidente, para a estupidez absoluta e indispensável de punição. Serão
infinitos lances amputados de suas existências, centenas de gols, que
nunca acontecerão, incontáveis abraços de suas famílias que ficarão no
ar, no vazio, no não acontecimento. E eles não serão refeitos.
Os garotos eram bons de bola, não se pode negar, mas seus sorrateiros
adversários- a irresponsabilidade e a morte- sabiam driblar melhor.
Agora, só nos resta gritar seus nomes nos estádios para que nunca
esqueçamos das glórias que lhe sonegamos- cobrando as
responsabilidades-, e para que saibam que estarão sempre nos encantando,
imaginariamente, com os lances geniais que só eles criariam. E
descansem, com o jogo da vida cumprido
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