Crenças & Descrenças
Sim!
O mesmo badalar das horas das missas, dos féretros, dos casórios e – para mim –
do momento etílico.
Sempre
me pergunto o que seria de nós, não fossem as horas? A invenção humana de
fracionar o tempo, como se fosse um bolo de aniversário, tem suas vantagens.
Afinal, a cada 1º de janeiro, sem percebermos, tudo continuar sendo o que era, mas desfrutamos a ilusão de poder retornar à estaca zero e, assim, iniciar tudo outra vez. Em tal recomeçar, apagamos pecados. Reconciliamo-nos.
Descobrimos
ser o tempo passado, conquista e não perda; mais valer a intuição do que o
freio do medo; não haver meio de se adiar o “viver”. Também, aprendemos a
apaziguar o passado para não atormentar o presente; rir ser o melhor remédio,
em suma, envelhecer ser preferível a se morrer jovem.
Recordo
ainda, em tempos de temperatura amena, à época mencionada a início da presente
epopeia, eu ainda nutria o prazer de pedalar por empoeirada estradinha dos
arredores da cidade, por onde corria o trem até a década dos sessenta – agora,
não refiro a minha idade e, sim, ao tempo propriamente dito.
Ao
final das pedaladas, à mesa do bar nosso de cada dia, tendo por companhia Tote
Leal, idoso amigo, celibatário convicto, agnóstico, sonetista e poeta quase
parnasiano, discorríamos sobre as questões supra referidas e a influência da
religião em nossas vidas.
‘Papo-cabeça’
que afugentava a maioria dos que, curiosos, sentavam -se à nossa mesa, sem
formal convite. Momento no qual nós, por malícia não intencional, governada via
cúmplices olhares, aprofundávamos o tema, embaralhando cabeças acostumadas a
resultados do futebol, politicagem municipal, assassinatos, assaltos a bancos,
acidentes, enchentes e a desgraceira que inunda os lares e atrofia as mentes.
Os indesejados, lá não permaneciam mais de dois minutos.
Em
dada oportunidade, ao falarmos das crenças, registrei que, religiosamente, não
mais me alinhava a nenhuma. Mas, reconhecia vivermos em área do planeta, na
qual a cristandade deitou profundas raízes. O fato de habitarmos espaços
cristianizados, não é culpa nossa, viventes em terras de Caramurê ¹,
nem de meus leitores de outras plagas.
Por consequência, gostemos ou não, somos cristãos por formação. Ungidos,
batizados e crismados. Crismados, ou seja, “confirmados” na Igreja Católica
Apostólica Romana. Além de ungidos,
batizados e crismados, somos (ou fomos) “casados”. Com tantas “amarrações”
estratégicas, é lógico que se torna difícil, desdizer tudo quanto nos levaram a
aceitar, ao longo da caminhada, iniciada na pia batismal quando, nossos
padrinhos, por nós falaram. Ato que se repetiu, tempos afora, chegando ao “sim”
das núpcias.
De
sim em sim, as coisas ficaram assim. Não nos apresentaram, muito menos, não nos
deram alternativas. Em respeito aos antepassados, seguimos rezando na mesma
cartilha, dedilhando mesmos rosários, reprisando mesmas ladainhas e invocações.
Mantras arraigados, de forma indelével, em nossos corações, a ponto de vezes
muitas, não termos coragem em contestar as “verdades” acolhidas.
Tais
encruzilhadas tornaram-se dilemas do cotidiano. Enfrento-as, pensando,
conversando e escrevendo. Isto, se nada resolve, ao menos serve para nutrir
neurônios, impedindo a visita do velho Alzheimer, às vésperas de despencarmos
no precipício da eternidade.
Cedo ou tarde, todos cumpriremos o natural preceito - somos pó e independente de crença ou vontade, retornaremos ao seio da Mãe Natureza.
(¹) Caramurê: nome original, indígena, da baía, ora denominada “de Todos os Santos”. – In “Cafuzo” - Pedro Soledade – Ed Urutau – 2023
Hugo Adão de Bittencourt Carvalho (1941), economista, cronista, é
autor do livro virtual
Bahia – Terra de Todos os Charutos, das crônicas Fumaças Magicas
e Palavras ao Vento,
participa do Colares – Coletivo Literário Arte
de Escrever. Vive em São Gonçalo dos Campos - BA
[email protected]
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