Tentamos existir pelo que gostamos, mas esse país cheio de sol faz fronteira – e íntima- com o vizinho, habitado pelo que detestamos. A minha, por sinal, é longa, mal vigiada, sujeita a contrabandos. Vez por outra, viajo secretamente ao inimigo rejeitado como fazem os miseráveis de amor que não conseguem deixar uma paixão sem futuro. Vou dar uns exemplos esperando que todos vocês também sejam miseravelmente humanos.
Para começar, detesto inveja- exceto as inevitáveis como acordar com a Viúva Negra- e não a deixo ser meu cupim, mas toda vez que vejo um virtuose fico me perguntando porque Deus me botou em um tabaréu que vive dando bom dia a cavalo, quando fez tanta gente por aí elegante, bonita e sincera? O que não pratico é a maldade da inveja, mas sugiro não confiar demais se você for capaz de tocar violão, fizer risoto de mangalô e bola de chiclete.
Também me penitencio pela minha ojeriza a indiferença, porque já fui indiferente muitas vezes e não tenho o direito de botar preço na indiferença do outro, embora tente melhorar. Não digo que tenho lugar de fala nesse assunto porque odeio lugar de fala e tenho todo direito de odiar, afinal, esse é meu lugar de fala. E de ódio, que sem ódio você não vence nem competição de cuspe em distância.
Pode soar como xenofobia alimentar- já inventaram essa ou tô lançando moda? -mas não gosto de comida japonesa. Sei que formo minoria identitária e mal vista, mas não consegui capacitar meu paladar primitivo à combinação de peixe cru e algas. Não recomendo esse exílio alimentar sob pena de solidão eterna, afinal, as mulheres antes de qualquer grande noite precisam completar o circuito que vai de comida japonesa a Djavan. Falo mesmo, porque não suporto o politicamente correto que não passa de totalitarismo, falso como jura de amor em bordel, e tenho horror sincero ao totalitarismo- exceto quando estou mandando.
Não gosto de bajulação, mas finjo naturalidade ao ser bajulado- que me perdoem os emocionalmente bem resolvidos, mas carinho até falso é bom. Nem me faça, leitor, essa cara de arrogância – me dá nos nervos- porque se a gente fosse viver só de verdade o mundo já teria se autodestruído.
Por fim, detesto esperteza- especialmente quando sou vítima e não o autor- e corrupção. Odeio corrupção. Com certeza. Odeio. Certeza quase absoluta. Odeio. Mas confio no meu país e tenho esperança que não seja mais opcional. A ver.
𝗖𝗲𝘀𝗮𝗿 𝗢𝗹𝗶𝘃𝗲𝗶𝗿𝗮 - Tabaréu, feirense, médico, professor, apaixonado por palavras, pessoas e a vida. Sou de mato, vinhos, cafés, pratos, prosas - falada e escrita. Essa tem sido minha receita.
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