Cada cidade tem suas características, tradições, histórias e mitos. E, dentro desse contexto, surgem pessoas de algum modo interessantes que ganham uma dimensão especial. São as chamadas figuras populares, mais comuns em urbes pequenas ou médias, e mais raras em cidades com a proporção de Feira de Santana em seu aspecto metropolitano. As figuras populares — não as relacionando com aquelas com desequilíbrio emocional que também existem — dão um sentido mais humano a uma comunidade, com a capacidade de quebrar arestas sociais.
Em Feira de Santana, uma das figuras populares mais marcantes e até hoje lembradas foi Noratinho da Pamonha, um homem de bem, trabalhador, que fez marketing de seu produto vendido diariamente pelas ruas da Princesa. “Olha a pamonha... olha a pamoinha...” funcionava como um sino chamando para a missa. Crianças, donas de casa, comerciantes, todos deixavam o que estavam fazendo para comprar o produto derivado do milho. Se Noratinho não aparecesse, o cenário ficava incompleto!
Na mesma proporção era seu Roque do Pão. Alto, forte, corretamente vestido, ele surgia entre meados e final da tarde, do lado do bairro do Pilão, empurrando o carro de pão. A massa de qualidade do pão de sal, pão doce e de milho era garantia para a sua freguesia. Sem pressa, ele percorria boa parte da Princesa e só voltava com o carro vazio. Às vezes, fazia uso de uma buzina de bicicleta, bem fixada sobre o carro, para anunciar sua chegada. Homem de fé, frequentava a Primeira Igreja Batista, na Rua Barão do Rio Branco.
Prestativo e atendendo a qualquer pedido, Antônio Neves, conhecido como Arranque, veio de Salvador, era bom mecânico, mas vivia de ‘bicos’ e não perdia um baba no final da tarde em um dos campos do Instituto Gastão Guimarães (eram três campos). Outra figura muito popular era o carregador conhecido como Paturi, porque só bebia a cachaça com esse nome. "Bota um Paturi aí" era seu lema.
Muito conhecido na cidade, ele ganhou maior “status” numa segunda-feira, dia da grande feira-livre, quando caiu, bateu a cabeça no chão e não reagiu. Considerado morto, foi colocado em um caixão, doado pela Prefeitura, e levado para o Cemitério Piedade, único existente na cidade. Muita gente acompanhou o sepultamento — amigos, feirantes, curiosos e desocupados, que eram em quantidade. "Pobre Paturi, nunca fez mal a ninguém, coitado". E a urna funerária é baixada ao túmulo, chocando-se com a lateral da cova e batendo no fundo com violência.
Com um forte pontapé na urna funerária, Paturi grita "socorro, me tira daqui, me tira daqui!" e aparece em pé dentro do caixão aberto. Correria geral, com quedas e arranhões. Depois de tudo sanado, o pregão já conhecido: "Bota uma Paturi aí!" e a fama que perdurou por muito tempo. Antônio da Taboca foi outro personagem das ruas. Vendia deliciosas tabocas (hoje desaparecidas), tocando uma matraca para sinalizar sua esperada chegada.
Trabalhador de pouca conversa e respostas monossilábicas, ou quase, quando as dava: “sim senhor”, “é justo”, “tudo bem”, “é uma parada”, seu Gregório era um homem muito conhecido. Comprava garrafas de vidro vazias e vendia para um “garrafeiro” (comerciante do ramo). Moreno caboclo, alto e forte, morava para os lados da Rua Nova e tinha um sítio na região do atual aeroporto.
Certo dia, foi à agência do Banco do Brasil, na Rua Conselheiro Franco, retirou uma quantia e seguiu pela Rua da Aurora (Desembargador Filinto Bastos) com o dinheiro em um dos bolsos da calça. De repente, dois malandros, por certo já o acompanhando, interrompem seu Gregório. “É um assalto” e ele, na sua habitual fleuma: “sim senhor”. O assaltante diz: “Eu quero o dinheiro” e seu Gregório responde: “É justo”. “Passe logo” brada o larápio, e ele: “Tudo bem”. “Vamos” diz o assaltante, e seu Gregório retruca: “É uma parada”. Vendo outras pessoas se aproximando, um dos meliantes concluiu: “Esse cara é doido” e saiu correndo com o comparsa sem nada levar!
Esta reportagem faz parte da série de matérias especiais elaboradas pela Secretaria de Comunicação Social destacando personalidades feirenses, monumentos, órgãos e empresas que fazem parte da história do município. A iniciativa comemora o aniversário de 191 anos de emancipação político-administrativa de Feira de Santana, celebrado em 18 de setembro.
Por: Zadir Marques Porto
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