Faz tempo que estou por aqui. Não tanto quanto esses grãozinhos de areia, nômades, que vagam pelo deserto sem pouso, ao rumo dos ventos. Assim como eles, durmo um, acordo outro. Mais poeira uns dias; mais sedimento em outros. Também ao sabor das ventanias, eu e eles, grão e gente, sempre os mesmos e nunca iguais.
Nesse passar – que o destino de tudo é passar – do pau, da pedra, do deslumbramento dos olhos, entre o acaso e as escolhas – que nem tudo é ação do homem sobre seu destino – vou me deixando ficar. Mesmo após as tempestades mais fortes, não fico maior, pois o que vou deixando em cada voo – ou acordar – é falta. Para o bem e para o mal. Que fardo carregaria se aqueles mais doídos não tivessem ficado por aí, levado em outra direção, caído em algum choro e se dissolvido – finito grão?
Como a vez em que ela partiu sem ter ido, ou aquele amor que não sobreviveu ao ciclones vindo do centro para o Sul; o dia em que a comida que eu sabia fazer desandou. O sonho que ruiu, feito com o sentimento do mundo e duas mãos erguidas na catedral. As fogueiras da roça acesas para iluminar o menino que já não sou. Com aquela mania de sonhar amanhecer, aquela mania divina de sonhar amanhecer. Deus e nada é tudo ilusão. E falta.
A vida é pouco. E imensa. Como a patinete de rolimã, o jogo de gude, o sexo com as bananeiras. Mas a vida é o que temos: bocapiu cheio, esteira no chão de barro. E aquela lua filha da puta nascendo linda e corrompendo nosso coração. É o que sou, amarrado em fiapos do que perdi.
Viver é só isso. Ser vulnerável e vencer. E manter escancarado o peito, o batente de casa, a tolha na mesa, essa coisa singela e arrebatadora da mesa posta nos esperando.
É ir em frente, pois, diz o poeta, a verdade é uma só: são muitas.
De tudo, é certo, guardar um pouco, que o visgo das coisas é memória. Mas se deixar levar como um rumor de passos, uma espera de lábios, uma carícia de sopro – ou sol – nas folhas dos girassóis.
Apesar do vendaval em que pai e mãe me deixaram ficar – tolos, na ilusão que eu já era adulto e capaz – sem saber o que é viver de quase nada como se tivesse tudo.
E só então percebo que, para o grão e que perdi, foi o deserto inteiro.
𝗖𝗲𝘀𝗮𝗿 𝗢𝗹𝗶𝘃𝗲𝗶𝗿𝗮 - Tabaréu, feirense, médico, professor, apaixonado por palavras, pessoas e a vida. Sou de mato, vinhos, cafés, pratos, prosas - falada e escrita. Essa tem sido minha receita.
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