Eficiente. Ágil. Versátil. Você provavelmente já quis ser um
pouco mais de cada uma dessas coisas. E já sofreu pensando que não seria
difícil alcançar tudo isso… Caso você conseguisse apenas se concentrar
um pouco mais. Um foco preciso como laser, dizem os empreendedores do Vale do Silício, é o segredo do sucesso.
Só faltou combinar com o cérebro humano – porque ele não quer nem saber de foco laser. O cérebro é uma verdadeira máquina de distração. E, por paradoxal que pareça, isso nos ajuda a permanecer vivos.
Os ciclos do foco
Seu foco não tem nada a ver com laser. Ele é mais
parecido com uma luz de teatro – daquelas que brilham forte em um
momento, apontando para o ator, e desvanecem no próximo segundo,
preparando o público para a próxima cena. É assim que a concentração
funciona no cérebro: piscando. Sua cabeça está o tempo todo alternando
entre foco e distração, em um ritmo frenético: de três a oito vezes por
segundo.
A verdade é que
o cérebro adora ritmos, e boa parte da atividade dele se dá em ciclos.
No sono, por exemplo, temos a fase de sono leve, profundo e a REM, do
movimento rápido dos olhos, na qual ocorrem os sonhos. Já quando estamos acordados, outra espécie de ritmo toma conta.
Jogos infantis como Lince e Onde Está o Wally demonstram
como a atenção é rítmica. Afinal, por mais que você seja capaz de
visualizar toda a cena ao mesmo tempo, só é capaz de realmente se
concentrar nela se esquadrinhar um pedaço da imagem de cada vez.
Pode não ser
tão óbvio, mas é exatamente isso que seu cérebro (coordenado com seus
olhos) está fazendo agora, ao ler este texto. Seus neurônios se alternam
entre dois modos: o de atenção, que permite processar o que você está
lendo nesta linha, e o de desatenção. De novo: desatenção pode parecer
um hábito péssimo durante a leitura, certo? Mas é nessa fração de
segundo de distração que seu cérebro consegue se deslocar para a próxima
frase e verificar quanto falta para terminar a página. É nessa fração
de segundo que seu cérebro se abre para seus outros sentidos – e se dá
conta, por exemplo, do alerta de fechamento de portas no metrô.
Seu cérebro se distrai tanto graças à evolução: foram
seus antepassados que descobriram vantagens em focar e desfocar a
atenção o tempo todo.
Não é à toa que o cérebro foi tomando essa forma ao
longo dos anos. Muito antes de precisar se concentrar para responder a
dezenas de emails em poucas horas, ele precisava dar conta de coordenar
tarefas de grande precisão sem perder a habilidade de escanear o
ambiente.
Um antepassado
selvagem que tivesse uma tendência à concentração absoluta provavelmente
tinha mira excepcional. Era um exímio caçador. Mas, enquanto sua
atenção estava absolutamente focada na presa à sua frente, não sobrava
recurso cerebral para notar os passos do leopardo que se aproximava por
trás… E, assim, hominídeos concentradíssimos podem ter perdido a chance
de passar seus genes adiante. A seleção natural acabou favorecendo os
cérebros que mais sabiam equilibrar o foco com momentos de distração,
que permitissem uma varredura do ambiente.
Essa pressão evolutiva resulta na atenção rítmica que conhecemos hoje como “oscilações de frequência
theta” – um nome complexo para dizer que seu cérebro varia entre foco e
desfoque a cada 4 segundos, em média. Pesquisadores têm encontrado boas
evidências de que esse comportamento segue vantajoso até hoje.
De acordo com
um estudo publicado recentemente pela Universidade de Newcastle, é
graças à função de “varredura” que conseguimos reagir rapidamente
enquanto dirigimos, por exemplo. Você pode estar completamente focado na
estrada à sua frente – mas na fração de segundo da “distração”, seu
cérebro acaba pescando um pedestre desatento atravessando a rua e evita
um desastre.
O que esses
cientistas descobriram é que o cérebro, durante esses ciclos, vai
dividindo neurônios entre time titular e time reserva. Isso significa
que, para cada neurônio engajado na tarefa de prestar atenção, há sempre
um vizinho preservando sua energia, caso você precise mudar rapidamente
de tarefa (como frear bruscamente o carro).
Esse é outro
motivo pelo qual qualquer um tentando vender um método que ensine a usar
“100% do cérebro” está mentindo. Você nunca usa 100% do seu poder
cognitivo de concentração. Seu cérebro é programado para prestar atenção
com eficiência. O que significa ignorar o foco de tempos em tempos e
checar se não há nada ao redor que deva ser priorizado.
Atenção patológica
Manter essa alternância é essencial para uma vida
normal – e é por isso que um “ciclo de foco” desregulado pode estar
associado a uma série de distúrbios – sendo o principal deles o
Transtorno de Déficit de Atenção (TDAH).
A
neurocientista Sabine Kastner, da Universidade de Princeton, descreve a
atenção como uma onda: no pico, temos o ponto “ideal” de concentração.
“Ali, você tem a melhor performance possível quanto à atenção”, conta a
pesquisadora. Nesse momento, seu foco é, literalmente, fixo. Seu cérebro
direciona não só o seu processamento de informações, mas também os seus
movimentos para o “alvo” do foco. Ele envia sinais de inibição motora, o
que significa que seu corpo – e, especialmente, seus olhos – recebe
sinais para permanecer imóvel, visando o ponto de foco. Por 0,25
segundo, você fica congelado.
Passado
esse tempo, vem o vale da onda, no qual a capacidade de foco se reduz ao
mínimo. Por outro lado, há um aumento da “flexibilidade” da atenção. Ou
seja: o corpo descongela, seus olhos são capazes de vagar em busca de
distração e sua mente avalia se é preciso mudar de foco. Sem a fase de
distração, você ficaria preso a um único foco o tempo inteiro.
Esses estados,
segundo Sabine, estão ligados ao que vemos em dois quadros diferentes de
pacientes com TDAH. “Temos crianças que parecem ‘presas’ no pico do
ciclo. É o chamado hiperfoco. Elas não conseguem alternar entre tarefas,
o que pode ser um grande problema na sala de aula”, diz Sabine. Por
outro lado, a característica mais típica do TDAH está na distração
constante – que, segundo Kastner, também se encaixa numa disfunção do
ciclo de foco. “É como se o paciente estivesse ‘travado’ no vale da
onda. Seu cérebro está constantemente alternando a atenção e nunca
focando, o que também não é funcional.”
Essa nova forma
de pensar os transtornos de atenção pode abrir portas para tratamentos
inéditos, que busquem restaurar o ritmo do cérebro para promover ciclos
mais saudáveis de atenção. Leia matéria completa no Super Interessante
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