Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) a depressão afeta 300 milhões de pessoas
em todo o mundo. É bem provável, porém, que esse número seja ainda
maior, e outras dezenas de milhares vivam deprimidas sem ter a mais
remota ideia do problema.
Esse cenário pouco preciso tem uma explicação lógica: é resultado do
diagnóstico complexo da doença, difícil de entender até mesmo por quem
tem de conviver com ela – e normalmente demora a perceber que os dilemas
internos não vêm tomando os rumos que deveriam.
Como acontece com uma série de outros distúrbios mentais, a
confirmação de um quadro depressivo não é resultado de nenhum exame
tradicional. Testes de laboratório até podem servir como argumento de
que algo não corre bem, mas nada substitui a boa e velha conversa com um
psicólogo ou psiquiatra. Orientando-se por alguns critérios clínicos específicos
e fazendo as perguntas certas, o profissional de saúde consegue mapear
sintomas e o histórico do paciente. Boa parte disso é revelado pela
fala.
Graças ao trabalho de cientistas do CSAIL, Laboratório de Ciência da
Computação e Inteligência Artificial do MIT, psicólogos e psiquiatras
poderão ter um aliado importante para fazer diagnósticos do tipo. Um
algoritmo de inteligência artificial que vem sendo aperfeiçoada por lá é
capaz de, analisando o texto ou mesmo o áudio da conversa, indicar com
77% de certeza se alguém tem sintomas depressivos ou não.
Essa porcentagem foi demonstrada em uma série de entrevistas com 142
pacientes – 30 deles eram deprimidos diagnosticados. O material serviu
para alimentar um algoritmo que consegue captar e qualificar diferentes
sinais de depressão nas falas, padrões normalmente imperceptíveis.
Além de ser refinada o suficiente para captar nuances como a
tonalidade da voz das cobaias, a tecnologia tem como maior virtude não
precisar de um “contexto” para operar.
Como contexto, você pode entender aquela lógica de máquina do estilo do saudoso Robô Ed,
o primeiro chatbot brasileiro. Para bater um papo com o amigo virtual,
você precisaria fazer exatamente uma pergunta que ele conseguisse
entender. Certos bots atuais
já conseguem oferecer diagnósticos de depressão de forma parecida, mas
esbarram em qualquer coisa que saia de um roteiro pré-programado de
perguntas que foram ensinados a seguir – o que pode ser ruim no dia a
dia dos médicos, já que, como diz o bordão, “cada caso é um caso”.
A inteligência artificial em questão, criada no MIT, não precisa
dessa lógica: ela é capaz de entender interações simples do dia a dia
para encontrar dados razoáveis sem nenhuma informação de bastidor. Ou
seja: ainda que o doutor não tenha ouvido as respostas mais tradicionais
que indicam um quadro depressivo, o algoritmo é capaz de aprender com a
repetição e passar a considerar novos aspectos. Só precisa ser ensinado
para isso.
Ouvindo pessoas diferentes e em quantidade suficiente, a máquina
consegue, assim, encontrar certos padrões. Palavras como “triste”, “para
baixo” ou “chateado”, por exemplo, podem ser associadas a sinais de
áudio que são mais monótonos. Pessoas com depressão, destaca o MIT,
também tendem a falar mais vagarosamente e fazer pausas maiores entre as
palavras.
“Cada paciente fala de uma forma diferente. Uma vez que o modelo
percebe diferenças significativas, isso pode servir para ligar o sinal
de alerta nos médicos”, disse James Glass, co-autor da pesquisa, em um comunicado. “Este é um passo importante para entender se podemos criar ferramentas para ajudar os especialistas nesse sentido”.
Ao acumular certas características, cada paciente de um diagnóstico é
enquadrado em uma escala de 0 a 27 (do menos deprimido para o mais
deprimido). Para arquivos de texto, o algoritmo precisava de apenas 7
sequências de perguntas e respostas entre o doutor e paciente para dar o
ultimato. Em áudio, cerca de 30.
Como você deve imaginar, é improvável que o sistema substitua num
futuro próximo a boa e velha ida ao consultório médico. Ainda que 77% de
acerto seja uma marca interessante, diagnósticos equivocados poderiam
trazer problemas graves. Imagine só, estar dentro da margem de erro de
23% da máquina e passar a tratar um problema que nem possui de fato?
Além disso, a relação pessoal com o médico dificilmente vai ser
substituída na sua totalidade justamente pelo aspecto humano do
tratamento – algo que mesmo a máquina mais precisa ainda não consegue
copiar. Por melhor que o ombro amigo eletrônico se torne no futuro, nada
como um par de ouvidos de verdade para entender os dilemas de quem
opera com um corpo feito de carne e osso.
(Super Interessante)
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