É complicado calcular o legado de alguém, mas Stan Lee tem alguns
números a seu favor. Criou mais de 361 personagens (heróis, vilões e até
jornalistas mal-humorados). No cinema e na TV, foi creditado como
produtor-executivo 164 vezes e fez 121 atuações, seja como dublador,
personagem de desenho animado ou nas 33 participações em filmes da
Marvel, que nos últimos dez anos rendeu à Disney mais de US$ 17 bilhões.
Nesta segunda, dia 12, Lee faleceu aos 95 anos. E nesse quase século de
vida, ele mudou pra sempre a história do entretenimento.
Stanley Martin Lieber nasceu em Nova York no dia 28 de dezembro de
1922. Era de uma família pobre, filho de uma dona de casa e um alfaiate,
ambos judeus romenos recém-chegados na Big Apple. E o que já não era
fácil ficou ainda mais difícil com o tempo: aos 9 anos, o quadrinista
ganhou um irmão mais novo e, com a chegada da crise de 29, o pai entrou
na estatística dos americanos desempregados durante a Grande Depressão.
“Ver o efeito desmoralizante que o desemprego dele teve em seu espírito,
fazendo ele se sentir dispensável, me trouxe uma sensação que nunca
consegui esquecer”, afirmou em sua autobiografia “Excelsior! (um lema
que Lee colocava em tudo, quer dizer “incrível”, “majestoso”) “É um
sentimento de que a coisa mais importante para um homem é ter trabalho
pra fazer, estar ocupado, ser útil”.
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(Gage Skidmore/Getty Images) |
Essa necessidade pelo trabalho (e pelo dinheiro, logo no começo da
carreira) se refletiu ao longo da vida. Aos 16 anos, em 1939, conseguiu o
primeiro emprego. Como o que sabia fazer era escrever, tentou lucrar
com isso de todas as formas que encontrou: começou escrevendo obituários
para jornais e folhetos publicitários para um hospital. O primeiro
grande serviço, no entanto, foi fruto de sorte: uma prima havia acabado
de se casar com Martin Goodman, dono da Timely: uma editora que estava
surfando na recém onda dos quadrinhos que começava a ser formada.
Stanley focou na grana, ainda que com um pouco de vergonha. Começou a
escrever roteiros para a empresa, mas com um pseudônimo: Stan Lee. Não à
toa, queria guardar seu verdadeiro nome para quando fosse escrever algo
realmente bom.
Dias de um Passado Esquecido
Pegou o gosto. Começou a observar quadrinistas que estavam começando a
fazer trabalhos interessantes: Carl Burgos havia criado uma história
sobre um homem que pegava fogo, apelidado de Tocha Humana; Bill Everett
escreveu sobre Namor, um príncipe submarino, e Joe Simon e Jack Kirby
contaram a história de um soldado que lutava contra o nazismo: Capitão
America. Só que a dupla se desentendeu com Goodman. O chefão acabou sem
ninguém para cuidar do departamento de quadrinhos da Timely. “Ele virou
pra mim e perguntou, ‘Você consegue fazer isso?’. Eu tinha 17 anos. O
que você sabe quando tem 17 anos? Falei ‘Claro, eu consigo.”, afirmou em
artigo do site Inc. “Martin deve ter esquecido de mim, porque ele
simplesmente me deixou por lá. E eu amei isso. Era tão novo que chegava a
ser constrangedor. De vez em quando alguém aparecia no escritório e
perguntava ‘Garoto, onde eu encontro o editor?’”, conta.
A questão é que a Timely não era exatamente fãs de super-heróis.
Goodman era fã de dinheiro mesmo. Então usava os quadrinhos para ganhar
uma grana em cada tendência que aparecia. A concorrência começava a
vender bem gibis sobre faroestes? Lee tinha que bolar um bang bang em
suas páginas. Histórias de terror estavam lotando bancas? Então Stan
tinha que assustar alguns leitores por aí. Lee não amava essas tramas –
mas tinha o dinheiro, e não queria sair pra ficar desempregado (vale
lembrar aqui o trauma que o pai sem trabalho lhe deixou), então segurou a
bronca. Por 20 anos. E aí realmente cansou. “[Foi quando] eu disse para
minha esposa ‘Eu não estou saindo do lugar, acho que vou me demitir’.
Ela me deu o melhor conselho deste mundo, disse ‘Por que você não
escreve uma história do jeito que você quer, ao invés do que Martin
quer?[…] O pior que pode acontecer, é ele te demitir”.
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(Marvel/Disney/Reprodução) |
Lee seguiu o conselho: tinha se apaixonado por uma tal de Liga da
Justiça, que havia lido recentemente. Escreveu sua própria equipe: o
Quarteto Fantástico. Só que com um pequeno novo detalhe, deixou um pouco
de lado os personagens perfeitos e mitológicos, dando poderes à uma
família disfuncional. Agora, os super-heróis não eram mais tão super
assim. . As vendas foram ótimas e a partir daí, Stan começou a criar os
personagens que lhe trouxeram fama. Hulk, X-Men, Homem-Aranha.
Praticamente todos os personagens que hoje rendem bilhões nos cinemas,
surgiram ali. O legado de Lee era pavimentado, edição a edição.
Deu tão certo que Martin resolveu mudar o nome da empresa que, agora,
não copiava mais tendências: focava nos super-heróis. Perceberam que a
primeira figura mitológica que apareceu nas páginas da empresa foi Tocha
Humana, em uma HQ que chamava “The Marvelous Tales” (Algo que poderia
ser traduzido como “contos que te deixam boquiaberto”. Era isso. A
empresa, agora, se chamava Marvel.
Martin não tinha mais tanto interesse nos negócios. Resolveu vender a
empresa – a promessa era que seu filho, Chip, assumiria a presidência
na nova gestão. Não rolou. Os acionistas preferiram Lee, que passou de
editor para chefão da principal editora de quadrinhos do momento. Era o
trono que faltava para a realeza de Stan.
Guerra Civil
Mas de lá pra cá nem tudo foi felicidade. Os principais desenhistas
da Marvel começaram a entrar em conflito com Lee. Jack Kirby, John
Romita, Steve Ditko, que desenharam respectivamente Os Vingadores,
Homem-Aranha e Doutor Estranho, todos tiveram problemas com Lee. Um de
cada vez, afirmaram que Stan estava tomando créditos pelo trabalho
deles. Reclamações que até hoje rendem ações judiciais milionárias. Em
uma entrevista à BBC, em 2007, ele deixou bem claro sua opinião à
respeito do assunto “Eu realmente acredito que o cara que sonhou com um
coisa criou ela! Você idealiza isso e perde para alguém desenhá-la…”.
Mas o design pode ser considerado crucial para os personagens. É difícil
imaginar o Homem-Aranha sem sua roupa clássica, por exemplo. Quando o
entrevistador questionou que, se outra pessoa tivesse desenhado os
personagens, talvez elas não tivessem sido o sucesso que são. “Então eu
teria criado algo que não fez sucesso”, responde. (Super Interessante)
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