
Do baba com bola de couro puído ou borracha
deformada ovalando a silhueta. Das traves de chinelo ou de tijolos. Da
tabelinha com o meio-fio. Da topada no dedão que dói e arde e interrompe
a glória para se render à recuperação na aspereza da espátula plástica e
vazada do frasco de merthiolate.
O campo com regiões de grama alta
intercaladas com o semi-árido onde o mapa de calor natural do uso da
cancha indica que não há espaço nem pra erva-daninha se criar. A bola
não corre, mas saltita e pulula de alegria, lépida e fagueira, pregando
peças aos heróis do controle do improvável.
O
estádio é de um monumento perdido num limbo do espaço-tempo. Ao redor
do verde-marrom com listras brancas, constroem-se arquibancadas de
cimento mal-acabado, interpostas por alambrados que são separações
inúteis ao campo, de tão frágeis e baixos.
Na cercania do quase-Maracanã terminado em ão,
gigante aos olhos de sua gente, erguem-se muros pintados com propagandas
da loja de tintas, da loja de ferramentas e de material de construção,
da mercearia da família, do mercadinho do Seu Zé, da rádio que
monopoliza o dial local, concatenando amontoado de apelos de comunicação
aos locais e somente a eles, alheios que são ao global, retidos no
quintal que é maior – e mais belo – que o mundo.
Em
volta, ruas apertadas que são artérias das casas tais quais
arranha-céus, janelas acima de onde o muro não alcança. Bilheteria é
formalidade, lei que não pega, afinal, ingresso pra quê, quando a árvore
do lado é assento que, além de vista privilegiada à cancha e à vida que
segue pra além de onde a vista alcança, é tíquete ao túnel do tempo?
A ascensão do Jacuipense à Série C é a vitória de um
futebol que insiste em fincar raízes nas memórias afetivas de tantos,
recusando-se a ceder à impetuosidade das finanças e do showbiz.
Enquanto
na capital todos querem ser Cirque du Soleil, em Riachão vê-se a glória
máxima do circo mambembe que varre o sertão em Kombis de motores
falhos, com lona rota, palhaços de roupas furadas e malabaristas de
eventos inacreditáveis, porque o impossível é apenas aquilo que você
nunca viu.
Apoiada em seu trio de veteranos recheados de
vitórias em centros outros, Marcelo Nicácio, Danilo Rios e Uelliton, o
brioso selecionado, secundado por uma gestão responsável e sabedora de
suas limitações, chegou onde não se acreditava capaz a pacata e
simbólica Riachão do Jacuípe. Pede, pois, espaço ao seu pedaço, parte
que é do todo.
Arenize-se
o que for, mas alma do futebol resiste, é chama que nunca morre. E a
cada brado de resistência, dedo em riste, “me respeite”, sorrimos todos.
Parabéns, Jacuipense. Hoje, cada baiano e nordestino
com um pé no interior, que ouve de olhos fechados sinos dos ventos e de
vacas no pasto, que trepida em ruas disformes de paralelepípedos, que
se reúne na fogueira em frente à casa a se esquentar e a confraternizar,
que abre a sala a estranhos para festas populares, que se emociona com o
cheiro do cuscuz e café passado na hora, se sente honrado por você.
E mais do que parabenizar, temos que agradecer.
Obrigado pelo espetáculo, pelo transporte ao cerne do futebol, à
alvorada de nossas vidas. Agora, rumo ao título! Valhei-me, meu São Leão
do Sisal!
Gabriel Galo é escritor.
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